Convocação para um pensamento do Sul
Edgar Morin
Nós, homens e mulheres dos diversos “suis”, educadores e pesquisadores de 13 países, reunidos no Rio de Janeiro entre os dias 14 e 17 de março, anunciamos as seguintes considerações:
1. Considerando que o futuro globalizado do nosso planeta produz uma comunidade de destino para todos os seres humanos confrontados com perigos mortais, mas que, ao mesmo tempo, esses perigos conduzem a desastres suicidas para a humanidade;
2. Considerando que o desenvolvimento das ciências, das técnicas e da economia globalizada produz inúmeros benefícios, porém, simultaneamente, a multiplicação das armas de destruição em massa, a degradação da biosfera da qual nós fazemos parte, o aumento das desigualdades e a desregulação de uma economia entregue às especulações do capitalismo financeiro;
3. Considerando que a economia deva ser religada ao homem, ao ambiente e à sociedade; que a economia deva ser regenerada de acordo com os princípios de ética social como a transparência e a responsabilidade, assim como, em muitos aspectos, deve ser expressão de fraternidade e solidariedade em âmbito local e global;
4. Considerando que a morte dos totalitarismos do século XX foi seguida pelos insaciáveis fanatismos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e pelo furor do capitalismo financeiro especulativo que ameaça toda a humanidade;
5. Considerando que as múltiplas crises do nosso século (crises econômicas, crise da modernidade ocidental, crise das sociedades tradicionais e crises do progresso) constituem a grande crise da humanidade, que não consegue se constituir como humanidade;
Considerando a arrogância de um pensamento fundamentado unicamente no cálculo e nos desenvolvimentos quantitativos, cego às realidades humanas profundas e aos problemas fundamentais e globais;
7. Considerando que a disjunção entre cultura científica, cultura humanista e cultura midiática mutila cada uma dessas culturas, pois a científica não possui a capacidade de refletir, a cultura humanista desconsidera aspectos cruciais dos conhecimentos científicos e a midiática frequentemente sofre de superficialidade e futilidade;
1. Considerando que o futuro globalizado do nosso planeta produz uma comunidade de destino para todos os seres humanos confrontados com perigos mortais, mas que, ao mesmo tempo, esses perigos conduzem a desastres suicidas para a humanidade;
2. Considerando que o desenvolvimento das ciências, das técnicas e da economia globalizada produz inúmeros benefícios, porém, simultaneamente, a multiplicação das armas de destruição em massa, a degradação da biosfera da qual nós fazemos parte, o aumento das desigualdades e a desregulação de uma economia entregue às especulações do capitalismo financeiro;
3. Considerando que a economia deva ser religada ao homem, ao ambiente e à sociedade; que a economia deva ser regenerada de acordo com os princípios de ética social como a transparência e a responsabilidade, assim como, em muitos aspectos, deve ser expressão de fraternidade e solidariedade em âmbito local e global;
4. Considerando que a morte dos totalitarismos do século XX foi seguida pelos insaciáveis fanatismos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e pelo furor do capitalismo financeiro especulativo que ameaça toda a humanidade;
5. Considerando que as múltiplas crises do nosso século (crises econômicas, crise da modernidade ocidental, crise das sociedades tradicionais e crises do progresso) constituem a grande crise da humanidade, que não consegue se constituir como humanidade;
Considerando a arrogância de um pensamento fundamentado unicamente no cálculo e nos desenvolvimentos quantitativos, cego às realidades humanas profundas e aos problemas fundamentais e globais;
7. Considerando que a disjunção entre cultura científica, cultura humanista e cultura midiática mutila cada uma dessas culturas, pois a científica não possui a capacidade de refletir, a cultura humanista desconsidera aspectos cruciais dos conhecimentos científicos e a midiática frequentemente sofre de superficialidade e futilidade;
8. Considerando que o poder do capital induzido pela monetarização generalizada reduziu ao ex-tremo, no mundo ocidentalizado, a parte livre da existência, desenvolveu enormes corrupções em todos os países e permitiu a fúria da especulação financeira em detrimento dos povos e das nações;
9. Considerando os efeitos poluentes das energias fósseis e sua rarefação próxima, os perigos ocultos da energia nuclear (estocagem de resíduos, riscos ligados à rarefação da água de refrigeração, risco de explosão em consequência de catástrofes naturais ou carências humanas, ameaçando enormes populações pela radioatividade) que provocaram o subdesenvolvimento generalizado das energias renováveis não poluentes;
9. Considerando os efeitos poluentes das energias fósseis e sua rarefação próxima, os perigos ocultos da energia nuclear (estocagem de resíduos, riscos ligados à rarefação da água de refrigeração, risco de explosão em consequência de catástrofes naturais ou carências humanas, ameaçando enormes populações pela radioatividade) que provocaram o subdesenvolvimento generalizado das energias renováveis não poluentes;
Considerando que o Norte, sob o pretexto da noção de desenvolvimento, continua a impor ao Sul um processo de ocidentalização forçado e uma concepção padronizada que ignora as diversidades e as virtudes das civilizações e culturas do planeta;
11. Considerando que esse processo ambivalente confere autonomia às gerações jovens e, às vezes, às mulheres, que contribui para a formação das classes médias que passam a desfrutar de padrões ocidentais, mas também das intoxicações da civilização ocidental; que ele esse processo aumenta as corrupções e desigualdades, que ele transforma as populações pauperizadas que dispunham de um mínimo de autonomia em populações miseráveis dependentes e excluídas;
12. Considerando que os “suis” estão submetidos a um colonialismo econômico que se apropria de suas riquezas e de suas terras e que prossegue sob novas formas de dominações e explorações;
13. Considerando que, para realizarem sua emancipação, os “suis” podem e devem continuar a se apropriar dos princípios desenvolvidos nas civilizações do Norte como os direitos do homem, os direitos da mulher, o direito dos povos, as liberdades democráticas;
14. Considerando, mais ainda, que os “suis” devem salvaguardar seus valores de solidariedade e de comunidade, de relação integrada ao cosmo e à natureza, seus saberes e fazeres adquiridos por experiências, muitas vezes multimilenares, de arte de vida e de sabedoria;
15. Considerando que para todos os lugares do planeta, mas de forma diversa segundo as condições, se impõe uma simbiose entre o melhor proveniente das culturas e civilizações do Norte e o melhor proveniente das culturas e civilizações dos “suis”;
16. Considerando que doravante é necessário promover uma política da humanidade fundada na pesquisa e no desenvolvimento de tais simbioses, assim como na ideia da inseparabilidade da unidade e da diversidade humanas;
Considerando que doravante é um dever ético e político vital considerar o outro simultaneamente em sua diferença e na sua identidade próprias;
18. Considerando que os progressos técnicos e materiais promovidos pela civilização do Norte, não acompanhados pelos progressos físicos e espirituais, conduzem a um mal-estar moral e físico no próprio cerne do bem-estar material;
19. Considerando que a noção de bem viver promulgada no Sul em Quito, Belém e La Paz deve dominar e englobar o bem-estar material;
20. Considerando que o bem viver implica autonomia pessoal e, simultaneamente, integração harmoniosa em uma ou mais comunidades; que a poesia da vida quer dizer o florescimento da habilidade de comungar, de se maravilhar, e tem a integração da capacidade infantil de amar, das aspirações e ardores da adolescência, da responsabilidade do adulto, da reflexividade dos mais velhos sobre sua experiência;
21. Considerando, igualmente, que o bem viver requer serenidade e, ao mesmo tempo, intensidade, o que implica a reconquista do tempo natural contra o tempo cronometrado imposto;
22. Considerando que todas as áreas das atividades humanas, econômicas, sociais, culturais, educacionais, mentais e existenciais necessitam de reformas profundas e intersolidárias.
Nós nos dirigimos às mulheres e aos homens de boa vontade dos diversos “suis” para formular os seguintes princípios políticos:
1. Uma política de civilização deve lutar contra os efeitos negativos da civilização ocidental assim como contra as qualidades negativas das civilizações tradicionais.
2. Uma política da humanidade visa efetuar as simbioses entre o melhor das diversas culturas e civilizações.
3. Uma política da humanidade ambiciona realizar a unidade humana em sua diversidade no seio do nosso planeta tornando-se Terra-pátria, que não deverá suprimir, mas englobar as diversas pátrias.
4. Uma política da humanidade empenha-se na formação de uma confederação terrestre e, além disso, de uma sociedade-mundo de um novo tipo; o mais rápido possível, deve visar à instauração de instâncias de decisão legítimas no que diz respeito à economia globalizada, à biosfera, aos armamentos e à consequente a proibição das armas nucleares e das armas químicas.
4. Uma política da humanidade empenha-se na formação de uma confederação terrestre e, além disso, de uma sociedade-mundo de um novo tipo; o mais rápido possível, deve visar à instauração de instâncias de decisão legítimas no que diz respeito à economia globalizada, à biosfera, aos armamentos e à consequente a proibição das armas nucleares e das armas químicas.
5. Uma política da humanidade deve não apenas instituir modos planetários de regulação da economia, mas também proscrever as especulações do capitalismo financeiro. Ela deve indicar as vias de uma economia plural, que comporta a economia de mercado, mas também os desenvolvimentos de uma economia equitativa que proíbe os predadores intermediários, favorecendo os contatos diretos entre produtores e consumidores. Uma política de humanidade deve favorecer uma economia social e solidária, assim como o desenvolvimento de uma economia verde de energias renováveis e de grandes trabalhos de humanização das cidades e de revitalização dos campos; nesse sentido, ela deve empenhar-se na redução progressiva da agricultura e da pecuária industrializadas.
6. Uma política da humanidade deve comportar uma concepção renovada da cultura que não apenas religue e interfecunde as três culturas separadas, mas também integre as dimensões éticas, estéticas e espirituais.
6. Uma política da humanidade deve comportar uma concepção renovada da cultura que não apenas religue e interfecunde as três culturas separadas, mas também integre as dimensões éticas, estéticas e espirituais.
7. Um esforço educativo intensivo deve ser voltado à introdução do conhecimento do conhecimento em todos os níveis de ensino, a fim de reconhecer as fontes de erro e de ilusão; ele introduzirá os princípios de um conhecimento pertinente, que saiba contextualizar seus objetos e religar seus saberes. Introduzirá, simultaneamente, o ensino dos princípios da compreensão humana para todos os próximos, os vizinhos, os estran-geiros.
8. É necessário ensinar os princípios da racionalidade, seus riscos de degradação, as insuficiências de uma racionalidade fechada, as condições e os limites da cientificidade, os princípios de um conhecimento e de um pensamento complexo que permitissem um conhecimento e uma ação o menos mutilante possível.
9. Uma política da humanidade tende a promover as reformas de vida em função do “bem viver”, que saiba se libertar das intoxicações das civilizações, especialmente das intoxicações consumistas, das várias dependências que es- cravizam a existência, e indicar as vias que permitiriam aos seres humanos ter acesso à poesia da vida, à serenidade e à intensidade.
10. Uma política da humanidade deve reconhecer, e fazer com que sejam conhecidas, as inúmeras iniciativas em todos os continentes, particularmente as iniciativas criativas dos “suis”, mas também aquelas presentes em todos os continentes, que constituem os caldos de cultura de um mundo novo.
11. Uma política da humanidade encoraja e estimula todas as vias reformadoras que confluiriam para uma via que conduziria a uma metamorfose na qual o planeta se converteria em uma metassociedade.
11. Uma política da humanidade encoraja e estimula todas as vias reformadoras que confluiriam para uma via que conduziria a uma metamorfose na qual o planeta se converteria em uma metassociedade.
12. Uma política da humanidade encoraja os desenvolvimentos de uma ciência complexa, de uma técnica de máquinas inteligentes que substituam as máquinas deterministas alienantes e, também, os desenvolvimentos, de uma economia equitativa e solidária.
13. Uma política da humanidade retoma e assume os princípios éticos das grandes religiões, a compaixão pelo sofrimento do Buda, o amor ao próximo e o perdão do Evangelho, a clemência e a misericórdia do Corão, por meio da laicização dos princípios de fraternidade contidos na trindade laica: liberdade, igualdade, fraternidade. Ela é guiada pela ideia de associar o desenvolvimento pessoal, a melhoria da sociedade e a fraternidade comunitária.
Os “suis” são os lugares onde as simbioses e as miscigenações da civilização começam a operar, onde ainda se salvaguarda o melhor dos valores do passado, estão em conflito decisivo as forças da vida e as forças da morte, as forças da opressão e as forças da liberdade, onde se impõe a necessidade de um pensamento complexo que responda aos desafios gigantescos do nosso século.
Nós começamos aqui a obra imensa e necessária da elaboração de um pensamento do Sul. Ela vai se esforçar para reconhecer, difundir e ilustrar todas as experiências criadoras de um novo futuro e de uma nova civilização. Esse pensamento será não particularista, mas aberto, integrativo e proposto a toda a humanidade.
É aqui, em nós e conosco, que em meio à angústia e à incerteza, o amor e a esperança ressuscitam, sem o que nada é possível. Amor, esperança e razão devem se associar para compreender e orientar as reformas necessárias à salvaguarda da humanidade. Karl Jaspers afirmava que a hu-manidade só pode sobreviver transformando-se a si própria. Hoje, e sem nenhum equívoco, a causa é sublime: a da salvação da humanidade por intermédio da metamorfose.
Rio de Janeiro, 17 de março 2011
fonte: ANAIS ENCONTRO INTERNACIONAL PARA UM PENSAMENTO DO SUL, SESC, Rio de Janeiro, agosto 2011