Dos Demônios - Segundo dia
Edgar Morin
Este atelier foi concebido e organizado simultaneamente por Edgar Morin e pelos profissionais do Sesc de São Paulo, além de ter integrado o Projeto Cultural Balaio Brasil.
Em um trabalho pioneiro, Edgar Morin apresentou seu pensamento, sua obra e sua trajetória de vida a partir da literatura, cinema, música, pintura, escultura, fotografia e imagens, dialogando e refletindo com os profissionais do Sesc de São Paulo, com alguns profissionais do Sesc do Rio de Janeiro e do Senac de São Paulo, durante dois dias consecutivos.
Vamos então começar.
Edgar Morin
(Corte minúsculo)
Quando Paris (cortou)
...foi libertada, eu tinha 23 anos e, a guerra terminou em 1945 e eu tinha 24.
Aos 26 anos, escrevi meu primeiro livro, "O Ano Zero da Alemanha", momento em que me engajara em duas vias distintas, mas que, na minha opinião, se entrecruzavam.
A primeira via correspondia ao estudo do presente, tentar compreendê-lo, tentar diagnosticar o sentido dos acontecimentos. Tentar ver a História tal qual ela se apresentava naquele momento, o que naturalmente é algo muito difícil, pois não se tem o distanciamento.
A outra via era a da antropologia, quer dizer, o estudo da condição humana, isto é, do homem, porque a noção de humano é ao mesmo tempo, o indivíduo com a sua autonomia, como também, o fato do ser humano fazer parte de uma sociedade, de uma espécie.
Assim, a primeira via foi marcada pelo "O Ano Zero da Alemanha" e a segunda por "O Homem e a Morte", que exigiu muitos estudos. Antes de falar da via do presente, gostaria de lhes mostrar um trecho do final do filme de Kurosawa, "Rapsódia em Agosto". Trata-se da história de uma mulher idosa que viveu a tragédia da bomba atômica, detonada pelos americanos em Nagasaki, em que seu marido foi um dos exterminados. Com ela mora o neto, filho do casamento da filha com um americano, que aprende a tocar desajeitadamente uma melodia de Schubert[1], "Rose des Bois”. De repente, o passado volta à memória e esta mulher corre desvairada, sentindo novamente o sopro da bomba de Nagasaki enquanto ouvimos claramente a melodia que a criança toca. Este trecho do filme mostra que a nossa época, desde 1945, está marcada pela bomba atômica, que permanece como uma ameaça para a humanidade.
PROJEÇÃO
Cena do filme “Rapsódia em Agosto” de Akira Kurosawa
Evidentemente, há um contraponto muito bonito das crianças japonesas cantando uma melodia de Schubert, um canto feliz e de alegria, e a imagem do desespero dessa mulher, que revive a tragédia de Nagasaki.
Estou então nessa via do estudo do presente. Após meu livro sobre cinema, que considero como sendo mais um livro de antropologia e do qual falarei mais tarde, escrevi um outro menor sobre as estrelas do cinema com a ideia de que as estrelas são fenômeno de representação, de ator, de atriz. Mas não se trata somente de representação do ator, da atriz. São rostos, personalidades que se impõem, que têm uma presença quase mitológica, que inspiram um embrião de culto religioso, com fenômenos de adoração espontâneos ou organizados. Eu mesmo tive uma religião, um culto por Brigitte Helm, a Antinea, que vimos ontem. As estrelas constituem um fenômeno econômico pelo alto custo que representam e pela utilidade quanto à rentabilidade dos filmes e quis estudá-las em todas as dimensões, sejam econômicas, sociais, religiosas e outras.
Foi sempre a mesma ideia, o mesmo método que usava desde "O Homem e a Morte", ou seja, considerar os diferentes aspectos e não somente um único, compartimentado. No meu livro "Espírito do Tempo", estudei o que significa a cultura de massa transmitida pela mídia, o cinema e a televisão, assim como a organização dos lazeres de massa, das férias prolongadas; estudei este fenômeno cultural cada vez mais importante em nossa época e tentei fazer um diagnóstico.
Após, fiz um estudo em uma comuna, na extremidade da Bretanha, na região do Finistère, onde vivi um ano com uma pequena equipe de estudantes. Em vez de utilizar somente métodos quantitativos, objetivos, questionários, testes, fiz um trabalho de imersão e formulei alguns princípios de método. Quando se deseja estudar uma comunidade, seres humanos, devemos, evidentemente, ser 100% objetivos, procurar considerar os fatos, os dados assim como se apresentam. Ao mesmo tempo, era preciso ser 100% subjetivo, quer dizer participar, comunicar, amar as pessoas. Ou seja, é preciso utilizar inteiramente a objetividade e a subjetividade, apesar de que a subjetividade era considerada pela maioria dos sociólogos como sendo algo negativo. É durante a investigação e o trabalho que descobriremos os problemas mais importantes para que sejam focados.
Estávamos em 1965 e já sentíamos um movimento de autonomia da juventude, o problema das diferenças de concepção entre adolescentes e seus pais, bem como uma vontade de emancipação feminina e uma crise no campo da pequena propriedade rural. Concentrei-me sobre a crise camponesa, sobre as mulheres, os jovens, enfim, com a experiência em campo, encontrei os meios de realizar meu estudo. Dei prioridade ao problema mais difícil que é o de que, para se conhecer uma comunidade original e singular, é preciso permanecer dentro dela. Portanto, o que pesquisei também foi um processo de modernização, de transformação das mentalidades, das transformações sociais que ocorriam em toda a França e na Europa Ocidental. Foi preciso, portanto, iniciar e concluir repetidamente a questão: uma experiência apaixonante e com a qual aprendi muito.
Continuei a trabalhar sobre maio de 68 e outros acontecimentos como la Rumeur d´Orléans. O que me pareceu importante era não esquecer a qualidade da vida vivida diria até, a qualidade poética da vida. Para mim, uma ideia cada vez mais fundamental é que a vida é uma alternância de prosa e de poesia. A prosa representa as coisas obrigatórias, aquelas que realizamos para sobreviver, que nos aborrecem e que são destituídas de paixão; ao passo que na poesia colocamos nosso amor, nosso interesse e nossa paixão. Encontramos a poesia nas festas, numa boa refeição com os amigos e, naturalmente, no amor. Dizendo de outra maneira, os estudos que valorizam tão somente a prosa da vida não percebem o essencial da vida humana, veem seres humanos como máquinas ou objetos; é preciso considerá-los inclusive em sua realidade.
Para lembrar esta qualidade poética, vamos escutar agora "Alma dos Poetas", uma linda canção de Charles Trenet, cantada por Juliette Greco.
A demora é em razão da dificuldade de localizar a canção dentre as que se encontram na fita cassete.
MÚSICA de Charles Trenet
L'âme des poètes
Longtemps, longtemps, longtemps
Après que les poètes ont disparu
Leurs chansons courent encore dans les rues
La foule les chantes un peu distraite,
En ignorant le nom de l'auteur
Sans savoir pour qui battait leur coeur
Parfois on change un mot, une phrase,
Et quand on est à court d'idées
On fait la la la la la lai
Ah! la la la la lai...
Longtemps, longtemps, longtemps
Après que les poètes ont disparu
Leurs chansons courent encore dans les rues
Leur âme légère, c'est leurs chansons
Qui rendent gais, qui rendent tristes
Filles et garçons, bourgeois, artistes ou vagabonds
Voltemos, então, à segunda via: a da antropologia, a que trata da condição humana, em última análise, da questão infantil e adolescente: "Quem somos, aonde vamos, de onde viemos?" A eterna pergunta do ser humano. Já havia começado este assunto em «O Homem e a Morte» e continuei neste livro sobre cinema. Por que a antropologia e por que o cinema? Não somente porque sou um "cinemáfogo" e grande amante de filmes, porque o cinema teve um papel muito importante em minha vida e na minha formação, mas, já no meu livro sobre a morte, tinha idealizado que a parte imaginária da vida do homem, feita de sonhos, de fantasias, de mitos e de crenças, é vasta e extremamente importante.
Citei uma frase de Máximo Gorki que diz que a realidade do homem é semi-imaginária. Caso não existisse o imaginário, quer dizer, ao mesmo tempo, os sentimentos, não haveria realidade humana, uma realidade humana colorida pelos sentimentos, desejos, paixões e nosso imaginário. No amor, existe uma projeção imaginária, o nascer de um culto religioso.
O cinema era interessante porque, a partir da projeção na tela, vemos seres que vivem e nós vivemos através deles, assim como eles vivem através de nós. Existe este fenômeno bem conhecido da participação e da identificação, que é um fenômeno muito complexo. Por que tão complexo? Porque rimos, choramos, tememos pelos nossos heróis, porém sabemos que estamos no cinema, o que significa que temos uma dupla consciência, uma consciência vigilante que sabe que não estamos presentes fisicamente na tela e uma outra consciência que nos faz viver a vida dos personagens do filme, ao contrário de uma ideia simplista que diz que os espectadores de cinema estão alienados e não percebem a diferença entre real e imaginário. Ao contrário, percebem perfeitamente, pois sabem que estão no cinema. Todavia, há uma segunda questão que despertava minha curiosidade, pois diziam que os espectadores de cinema estão numa situação hipnótica, que perdem a racionalidade e o sentido crítico. Sem dúvida isso é verdade, porém existe também pois é verdade que quando estamos no cinema, temos uma compreensão que não possuímos na vida real, no dia-a-dia. Por exemplo, há pessoas que começam a gostar de um vagabundo como Charlie Chaplin, porém, ao sair do cinema e ao se defrontarem com o mesmo vagabundo na rua, o olhariam com desprezo. No cinema, podemos compreender, como compreendemos Shakespeare com seus personagens complexos, por vezes odiosos e criminosos, mas que também possuem sentimentos. Compreendemos, por exemplo, os homens da Máfia interpretados por Marlon Brando e Al Pacino e compreendemos que são seres humanos com aspectos ignóbeis, mas que, ao mesmo tempo, possuem sentimentos de amor e, às vezes, até de honra.
No cinema, portanto, percebemos a complexidade dos seres, compreensão esta que perdemos na vida real, em que obedecemos a esquemas, alegando tratarem-se de criminosos e pronto. Portanto, o cinema é muito rico do ponto de vista antropológico e me envolvi muito neste trabalho. Não quero insistir nesse ponto, mas retomei a via da antropologia quinze anos depois, em 1956, ao escrever "O Cinema ou o Homem imaginário". Desculpem, retornei ao assunto, quando publiquei “Le Paradigme Perdu: la Nature Humaine”, não sei muito bem o título em português. Após maio de 1968 – um acontecimento que me deixou bastante apaixonado, uma época em que estava imerso no presente – fui convidado por um instituto de pesquisa biológica na Califórnia, o Instituto Salk, pelo período de um ano, com a missão de aprender. De fato, tornei-me um estudante espontâneo ao lado de importantes pesquisadores, principalmente um amigo, o biólogo francês Jacques Monod. No decorrer daquele período, fartava-me da nova evolução da biologia, que passava por uma fantástica revolução, com a descoberta dos genes e com o desenvolvimento da biologia molecular. Com todos esses desenvolvimentos, cujas consequências incríveis hoje se evidenciam, retornei à ideia de que o ser humano é interessante por ser biológico e metabiológico ao mesmo tempo: não é somente o corpo e o cérebro que são biológicos; o cérebro é um órgão biológico; porém o espírito, a mente -"mind" - se desenvolve a partir dele como uma emergência que necessita da linguagem e da cultura para se desenvolver.
Existe uma realidade humana biológica, pois somos frutos de uma evolução biológica, e uma realidade social, psicológica e histórica. Esses dois aspectos são, como vocês sabem, dissociados, pois o cérebro é estudado em biologia; a mente, em psicologia e não existe conexão entre o homem biológico e o homem cultural. Eu queria entender o todo. Não podemos dizer que o homem é 50% biológico e 50% cultural. Ele é 100% biológico e 100% cultural. Os atos mais biológicos também são atos culturais, como o de nascer: há a certidão de nascimento, as festas, o batismo; e o de morrer com os funerais e ritos etc.; da mesma forma que o de comer, pois escolhemos os pratos, cozinhamos, gostamos de comer com amigos. Tive então a ideia de querer entender esta estranha e dupla realidade do ser humano.
Voltando da Califórnia, tive a ventura de organizar, com a ajuda de eminentes biólogos, um colóquio chamado "A Unidade do Homem" e a apresentação que fiz serviu de embrião ao livro intitulado "O Paradigma perdido: a Natureza humana". Esta minha estada na Califórnia foi extremamente profícua. Primeiro por me tornar um estudante e adquirir conhecimentos que não possuía: fui apresentado à teoria dos sistemas, ao pensamento de Gregory Bateson, à cibernética e a todo um leque de desenvolvimento Intelectual, que induzirão ideias que se tornarão essenciais para mim como auto-organização, até chegar à ideia da complexidade. Em segundo lugar, a experiência vivenciada foi muito rica porque era a época da contracultura na Califórnia, com eventos com a participação de aproximadamente 100 mil pessoas. Certamente vocês viram, no cinema, imagens de Woodstock, acontecimentos estéticos, multidões com conjuntos musicais absolutamente extraordinários.
Tínhamos Jonas Salk, o homem que criou o Instituto Salk, que inventou a vacina antipoliomielite e que, graças a esta descoberta, recebeu um grande financiamento para criar um instituto de pesquisas. Era um homem de baixa estatura, porém com um grande ideal, um homem admirável, extremamente ingênuo e é por isso que eu gostaria que ouvissem «Fool on the hill», uma música extraordinária dos Beatles.
Fool on the Hill
(John Lennon - Paul McCartney)
Day after day
alone on a hill,
the man with the foolish grin
is keeping perfectly still
But nobody wants to know him,
They can see that he's just a fool,
And he never gives an answer
But the fool on the hill
Sees the sun going down
and the eyes in his head
See the world spinning round
Well on the way
head in a cloud,
the man of a thousand voices
talking perfectly loud
But nobody ever hears him
or the sound he appears to make
And he never seems to notice
But the fool on the hill,
Sees the sun going down,
and the eyes in his head
See the world spinning round
And nobody seems to like him
they can tell what he wants to do
And he never shows his feelings
But the fool on the hill
sees the sun going down
and the eyes in his head
See the world spinning round
Oh, round, round, round, round, round
and he never listens to them
He knows that they're the fools
they don't like him
The fool on the hill
sees the sun going down
and the eyes in his head
See the world spinning round
Oh, round, round, round, round, oh
Gostaria agora de lhes mostrar a obra de Michelangelo na Capela Sistina, imagem na qual o criador insufla o sopro vital no ser humano.
Projeção da imagem
Olhem para este dedo que toca levemente o dedo de Adão, acordando-o para a consciência. O afresco foi restaurado recentemente e acreditava-se que Adão estivesse com os olhos fechados, porém, na realidade, eles estão abertos. Ele olha, mas ainda não vê. Algo inusitado e não notado antes. Observem o Criador rodeado de anjos, porém se olharem mais atentamente, poderão perceber que Ele está abraçado a uma criatura feminina e que não é um anjo. É uma criatura feminina pelos cabelos e o despontar dos seios.
O fato marcante em Michelangelo e em todas as grandes obras, que não se limitam à pintura, à música etc., é que são obras do pensamento, um pensamento que muitas vezes não pode se expressar em palavras. O pensamento de Michelangelo é que Deus, mesmo isso sendo um ponto de vista herético, precisa de uma presença feminina para poder criar. Em minha opinião, isto é muito interessante e, evidentemente, esquecemo-nos de observá-lo. Apresentei este afresco para que percebam que a questão principal é a antropologia. Quem será este ser humano que irá acordar para a vida e para a consciência?
Também mostrarei a vocês o Rembrandt, a imagem "L'Homme au Casque".
[Sem som. Plateia reclama]
Não existe a certeza de que o quadro seja dele, talvez seja de um aluno, porém a obra tem a beleza das obras de Rembrandt, com semblantes que mostram algo muito complexo, muito rico e muito misterioso, ou seja, toda a subjetividade humana. Para mim, a ideia de antropologia não abrange somente o comportamento objetivo dos humanos, abrange também a subjetividade humana, aquilo que há de verdadeiramente singular em uma pessoa. Mais tarde, no "Método", quis saber qual era o sentido da palavra Sujeito, o que significa ser Sujeito. Falaremos disto ainda no decorrer desta tarde.
A presença no Rembrandt é o pensamento. Rembrandt era um pensador. Olhem no quadro o que o rosto deixa transparecer, o que o rosto deixa adivinhar, sem dizer claramente. Percebemos que este rosto medita, reflete, mas será que é sério, será que é triste? Todo o mistério do ser humano transparece neste Rembrandt.
Vamos continuar, de ontem...
Este trabalho sobre o ser humano, então, incorpora no seu núcleo o mistério da complexidade humana. Para isso, gostaria de ouvir a leitura das frases de Blaise Pascal que, no século 17, tinha uma visão do ser humano muito mais rica do que muitos antropólogos atuais e uma frase, ou melhor, uma passagem muito célebre de Freud, bem como um pequeno trecho de um autor menos importante ... eu!
Leitura
“Que quimera é, pois, o homem? Qual novidade, qual monstro, qual caos, qual objeto de contradições, qual prodígio? Juiz de todas as coisas, verme imbecil, depositário do verdadeiro, cloaca de incerteza e de erro, glória e reverso do universo. O que é o homem na natureza? Um nada diante do infinito, um todo diante do nada, um meio entre nada e tudo. ” (Pascal)
“O homem é ele mesmo o mais prodigioso objeto da natureza, pois ele não pode conceber o que é o corpo e menos ainda o que é espírito e menos do que qualquer outra coisa, como um corpo pode estar unido a um espírito. Eis aí o cúmulo de suas dificuldades, e, no entanto, é seu próprio ser. A maneira com que o espírito está unido ao corpo não pode ser compreendida pelo homem e, no entanto, isso é o próprio homem". (Esta última citação é de Santo Agostinho).
Agora, Freud:
“O narcisismo universal, o amor próprio da humanidade, sofreu até hoje três grandes vexações por parte da pesquisa científica. O homem acreditava, no começo de suas pesquisas, que seu lugar de residência, a Terra, encontrava-se imóvel no centro do universo. [...] A destruição dessa ilusão narcisista está ligada ao nome e à obra de Nicolau Copérnico, no século XVI. [...] Quando sua descoberta foi reconhecida de maneira universal, o amor próprio humano sofrera sua primeira vexação, a vexação cosmológica.
Ao longo de sua evolução cultural, o homem se ergue como mestre de suas cocriaturas animais, mas, não contente com essa hegemonia, pôs-se a cavar um buraco entre a essência deles e a sua. Ele recusou a razão e se atribuiu uma alma imortal, alegou uma origem divina elevada, que permitiu romper a ligação de comunidade com o mundo animal. [...] Sabemos todos que as pesquisas de Charles Darwin, de seus colaboradores e de seus precursores, puseram fim, há meio século, nessa presunção do homem. O homem não é nada além, nem nada melhor do que os animais, sendo ele próprio oriundo da série animal, parente próximo de certas espécies e mais distante das outras. [...] Foi essa a segunda vexação para o narcisismo humano, a vexação biológica. Mas o golpe mais doloroso vem, sem dúvida, com a terceira vexação, que é de natureza psicológica. O homem, mesmo estando aviltado exteriormente, sente-se soberano em sua própria alma. [...] A psicanálise quis instruir o eu. Mas suas duas elucidações, a saber, que a vida pulsional da sexualidade em si não pode ser inteiramente domada, e que os processos psíquicos não são em si mesmos inconscientes, não são acessíveis ao eu e não são submetidos a este senão pelo viés de uma percepção incompleta e pouco certa – voltam a afirmar que o eu não é dono em sua própria casa. Elas representam, juntas, a terceira vexação infligida ao amor próprio, o que eu gostaria de chamar de vexação psicológica.”
Sigmund Freud
E, agora, o melhor dos textos.
Risos
“Sabemos todos que somos animais da classe dos mamíferos, da ordem dos primatas, da família dos homínidas, do gênero homem, da espécie sapiens. [...] É um ser de afetividade intensa, instável, que sorri, que chora, um ser ansioso e angustiado; um ser gozador, embriagado, extático, violento, amante, um ser invadido pelo imaginário, um ser que conhece a morte e não pode acreditar nela, um ser que segrega o mito e a magia, um ser possuído pelos espíritos e pelos deuses, um ser que se nutre de ilusões e de quimeras, um ser subjetivo, cujas relações com o mundo objetivo são sempre incertas, um ser sujeito ao erro, à errância, um ser ubrico, desmedido, que produz desordem. E como chamamos de loucura a conjunção da ilusão, da desmedida, da instabilidade, da incerteza entre real e imaginário, da confusão entre subjetivo e objetivo, do erro, da desordem, somos obrigados a ver que o Homo sapiens é o Homo demens.”
Edgar Morin
Risos
Vocês veem, então, a preocupação fundamental: "Quem somos nós?". Este livro, "O Paradigma Perdido", que escrevi durante o ano de 1973, em parte no Brasil, trabalhando em Salvador junto ao mar, na antiga Casa dos Escravos, hoje Museu de Antropologia, era um livro que carregava comigo. E será preciso esperar muitos anos – talvez até o ano 2001 ou 2002 – para que escreva o último volume de "O Método", do qual falarei esta tarde, e que se chama "A Humanidade da Humanidade", quer dizer, nele procuro responder à pergunta, "Quem somos nós?", ou seja, à questão sobre a condição humana. Percebi tratar-se da primeira parte, ou talvez do primeiro volume e que, necessariamente, haveria uma segunda parte, um segundo volume decorrente de todo o meu trabalho e que é a ética. Neste livro, não somente proponho ideias novas, como também retomo àquelas ideias antes formuladas com enfoque diferente, principalmente o problema da complexidade humana, que nos torna seres trinos, isto é, ao mesmo tempo sociais, biológicos e individuais. Não somos três elementos separados porque um está contido no outro, tal como na trindade cristã, isto quer dizer que a sociedade está contida no indivíduo através da cultura, da mesma forma em que ele está na sociedade e que a espécie se encontra no indivíduo, assim como ele está na espécie. São inseparáveis porque, para que a espécie continue, é preciso que haja indivíduos. O indivíduo não é somente o produto da espécie, ele próprio produz a espécie no acasalamento e na reprodução. O indivíduo não é somente o produto da sociedade, mas ao mesmo tempo ele é coprodutor da sociedade, porque são as interações entre indivíduos que fazem com que a sociedade exista como tal, com suas leis, normas, cultura, retroagindo no indivíduo para que este se desenvolva. Significa que os indivíduos são o produto da sociedade, que por sua vez, produz o indivíduo.
Esta ideia só pode ser formulada com aquilo que denomino de pensamento complexo, isto é, não colocar simplesmente em paralelo, indivíduo, espécie e sociedade, mas uni-los de forma inseparável e implicando um no outro. E no livro "O Paradigma Perdido", na dupla polaridade do livro, a palavra Homo sapiens, denominação dada à nossa espécie, ou seja, homem racional e sábio aplicava-se com restrições, porque o Homo é ao mesmo tempo demens, ele é louco e capaz de delírios. Entre sapiens e demens, não existe fronteira, ou seja, os sentimentos e as emoções são necessários à racionalidade e ao conhecimento. Não somos computadores: precisamos de paixão para conhecer, ao mesmo tempo, porém, a paixão que nos ilumina pode nos cegar, fazendo-nos cair na loucura, na cólera, no delírio. Esta relação fundamental entre sapiens e demens propõe uma questão: O que fazer? Não podemos levar uma vida somente razoável. Por quê? Porque na intensidade da vida, na poesia da vida, a própria vida precisa desgastar-se, consumir-se, arriscar-se. Homo sapiens demens e não somente Homo faber, aquele que fabrica as ferramentas, mas também, o homem imaginário, que vive no imaginário e nos mitos; não somente o Homo economicus, o homem que só procura o interesse próprio, mas também, o Homo ludens, o homem que gosta de brincar. Não é somente a criança que brinca, os adultos também gostam de jogos, gostam de futebol, de jogar cartas, de corridas de cavalos e às vezes até de arriscar a própria vida.
Procuro considerar o ser humano em sua complexidade e também destacar o destino histórico da humanidade, pois hoje percebemos que caminhamos para uma História muito incerta. Trata-se do fio antropológico, das duas pernas sobre as quais caminho: a perna que está no presente, no imediato, no acontecimento; e a perna que está na antropologia, com uma reflexão que podemos denominar filosófica.
Corte
Na antropologia, há o aspecto histórico do ser humano: fazemos parte de uma história dentro de uma sociedade. E o que é a política? Dentro do contemporâneo, são os problemas históricos e sociais que o ser humano se coloca.
Despertei para estas questões no decorrer dos anos 1956-1957 a 1962 graças
à revista "Arguments", uma pequena revista que fundei com alguns amigos, uma revista sem filiação ou ideologia, mas de debates. Era uma revista para refletir nós mesmos. E havia o problema do marxismo e queríamos refletir, revisar, verificar quais eram as suas limitações e lacunas e aquilo que era preciso preservar do pensamento de Marx. Pensávamos que era preciso revisar todas as ideias banalizadas, ideias recebidas, e que era preciso desenvolver um pensamento questionador. Acredito, efetivamente, que a vontade de continuar nesse pensamento interrogativo, de fato encarnou em mim. Isto graças a um dos colaboradores daquela revista, um filósofo de origem grega chamado Kostas Axelos, que pessoalmente havia trazido a mensagem do segundo Heidegger, do Heidegger do pós-guerra, isto é, do Heidegger que havia mostrado a ideia de que a técnica dominava o planeta. Nesta revista, propusemos e defendemos a ideia de que deveria existir um pensamento planetário, que não se poderia pensar em fatos separados, que o planeta era o nosso destino e que estávamos na era planetária, bem antes da mundialização e da globalização, hoje já divulgada e discutida. De que a era planetária havia começado com a conquista das Américas pelos espanhóis e portugueses, havia começado com a dominação do Ocidente, o colonialismo, a escravatura. Ou seja, através de todos esses fenômenos de opressão e de exploração, os diferentes elementos do planeta se uniam e novos fenômenos surgiram como a emancipação e a descolonização etc., que significavam aspectos extremamente ambivalentes, já que emergia da difusão das ideias democráticas e dos direitos do homem, e ao mesmo tempo, era preciso enfrentar o totalitarismo e a ideia de raciocinar na era planetária, em nosso planeta e não somente na URSS, nos Estados Unidos, ou no Terceiro mundo. Essa ideia também tomou conta de mim e um dos meus recentes livros é intitulado "Terra Pátria", que é um desenvolvimento desta pesquisa sobre o conhecimento de nossa situação no planeta.
à revista "Arguments", uma pequena revista que fundei com alguns amigos, uma revista sem filiação ou ideologia, mas de debates. Era uma revista para refletir nós mesmos. E havia o problema do marxismo e queríamos refletir, revisar, verificar quais eram as suas limitações e lacunas e aquilo que era preciso preservar do pensamento de Marx. Pensávamos que era preciso revisar todas as ideias banalizadas, ideias recebidas, e que era preciso desenvolver um pensamento questionador. Acredito, efetivamente, que a vontade de continuar nesse pensamento interrogativo, de fato encarnou em mim. Isto graças a um dos colaboradores daquela revista, um filósofo de origem grega chamado Kostas Axelos, que pessoalmente havia trazido a mensagem do segundo Heidegger, do Heidegger do pós-guerra, isto é, do Heidegger que havia mostrado a ideia de que a técnica dominava o planeta. Nesta revista, propusemos e defendemos a ideia de que deveria existir um pensamento planetário, que não se poderia pensar em fatos separados, que o planeta era o nosso destino e que estávamos na era planetária, bem antes da mundialização e da globalização, hoje já divulgada e discutida. De que a era planetária havia começado com a conquista das Américas pelos espanhóis e portugueses, havia começado com a dominação do Ocidente, o colonialismo, a escravatura. Ou seja, através de todos esses fenômenos de opressão e de exploração, os diferentes elementos do planeta se uniam e novos fenômenos surgiram como a emancipação e a descolonização etc., que significavam aspectos extremamente ambivalentes, já que emergia da difusão das ideias democráticas e dos direitos do homem, e ao mesmo tempo, era preciso enfrentar o totalitarismo e a ideia de raciocinar na era planetária, em nosso planeta e não somente na URSS, nos Estados Unidos, ou no Terceiro mundo. Essa ideia também tomou conta de mim e um dos meus recentes livros é intitulado "Terra Pátria", que é um desenvolvimento desta pesquisa sobre o conhecimento de nossa situação no planeta.
Na revista, tratamos de questões não somente de ordem estritamente política: tínhamos um exemplar sobre burocracia, outro sobre niilismo, um terceiro sobre o amor. Foi muito interessante este número sobre o amor. Éramos um grupo de seis ou sete camaradas e fazíamos reuniões de redação à noite, durante um jantar, com muita comida e bebida, e aliás, muita.
Risos.
Eram reuniões muito agradáveis e quando fizemos o número sobre o amor, todos estávamos casados, mas todos se separaram, porque havia um novo amor chegando para cada um de nós. Portanto, vivíamos ao mesmo tempo os problemas dos quais falávamos. A revista estava indo bem, mas decidimos parar de publicar, porque houve uma diáspora planetária de seus redatores. Um tornou-se professor na Tunísia, outro em Dakar, no Senegal; eu viajava muito para a América Latina, Axelos ficava em Paris, mas nosso sentimento era de dispersão e que já havíamos abordado grandes temas e não queríamos nos repetir. É preciso conhecer o tempo de parar e fizemos o haraquiri da revista, com plena consciência.
Risos
É no decorrer deste período que surge o que chamo de segunda reorganização de minha concepção do mundo, dos meus pensamentos. O marxismo hegeliano que foi central durante a guerra e que me marcou muito, se desarticulava e se formava uma constelação de pensamentos nos quais, evidentemente, Hegel e Marx permaneciam importantes, mas outros pensadores surgiam, ou então, outras formas de pensamentos com a contribuição dos surrealistas. Havia conhecido André Breton e Jacques Prèvert e considerava o surrealismo como uma grande aventura intelectual, sobretudo por afirmarem que a poesia deveria ser vivenciada, não somente escrita. Georges Bataille, um autor infelizmente pouco conhecido, elaborou uma teoria muito interessante do consumir-se, oposta ao consumo, este fenômeno de supermercado, enquanto que o consumir-se – não sei como diria em português – mas a consumição é uma maneira de queimar intensamente a própria vida. Houve uma provincianização de Marx e da ideia de totalidade, que me parecia tão importante e que era importante manter, mas era preciso introduzir o contrário. É principalmente Theodor Adorno, um dos marxistas da Escola de Frankfurt, melhor dizendo, pós-marxista, que disse esta frase: “A totalidade é a não verdade”, isto quer dizer que aquele que acredita ser o dono da verdade está errado, porque nós só podemos ter um pensamento, incompleto, insuficiente, pleno de vazios e buracos negros sobre nossa realidade e sobre nosso mundo.
Acredito ser preciso aspirar uma visão múltipla, uma visão mais completa, mas ao mesmo tempo saber que se imaginamos conhecer um sistema na sua totalidade, estamos errados, isto é, um pensamento antissistemático, porém, organizador. Além disso, existe também a ideia de que as contradições fundamentais não podem ser ultrapassadas, elas nos fazem viver. A ideia de que devemos reacender a dúvida e o espírito crítico e resistir a todas as formas de histeria coletiva. A ideia que já havia desenvolvido, ou seja, aquela na qual o mito e a imagem fazem parte da realidade humana, inspirou-se em [incompreensível], biólogo holandês do início do século que falava sobre a falta de acabamento do homem, do ponto de vista biológico, dizia que o homem adulto parece o feto do macaco, porque este quando recém-nascido possui o rosto achatado antes do alongamento, não tem pelos como o ser humano e, o ser humano, diferentemente dos outros antropoides, não tem o prepúcio exposto, como se o seu desenvolvimento sexual fosse inacabado. É por esta razão que em diversas culturas se faz a circuncisão, descobrindo o prepúcio como nos outros animais. O homem é, portanto, um ser inacabado e, é por esta razão que possui habilidades, curiosidades, aberturas. Era preciso incluir a ideia do inacabado em todas as coisas. E no meio de tudo isso, vemos que os problemas políticos sempre estão colocados, estão sempre presentes.
Agora, vamos examinar algumas imagens. Temos uma imagem do Che (quando aparece a imagem, há risos na plateia, porque a imagem está de ponta cabeça), uma imagem trágica, diferente do semblante triste que conhecemos; há a China (de novo risos na plateia, porque a imagem aparece primeiro de ponta cabeça), com a imagem bastante conhecida do civil desarmado diante dos terríveis tanques; o Muro de Berlim, demolido em 1989 - e logo atrás, a porta de Brandemburgo. Se vocês se lembrarem, disse na primeira reunião que não existia muro, somente ruínas, tudo estava vazio e eu estava próximo da porta de Brandemburgo e eles tocavam a Sonata da Primavera de Beethoven; e aqui o dia da demolição do Muro de Berlim em 1989, que foi uma festa, na época de Kruschev.
Podem parar. Vamos continuar.
Os anos 60 foram anos de reflexão e pesquisa, ao mesmo tempo teórica, filosófica e concreta, sob a condução de um pequeno grupo de amigos, como Cornelius Castoriadis, Claude Lefort e eu. Nós três tínhamos formação "marxiana" para não dizer marxista, ou seja, utilizávamos o pensamento de Marx e criticávamos o marxismo oficial. Mas percebemos que era preciso integrar, mas ir além do pensamento de Marx, o que cada um fez à sua maneira.
Castoriadis, priorizou o imaginário como fundamento das sociedades, enquanto Lefort consagrou-se principalmente à teoria da democracia. No decorrer deste período, fomos bastante marginalizados, porque reinava na esquerda da França o marxismo de Althusser, extremamente rígido e, na minha opinião, completamente estúpido, apesar de existirem outras ideias mais sofisticadas. Reinava, também, a sociologia padronizada, reinava o estruturalismo que nega a história e o sujeito. Então, fizemos uma marcha bastante solitária, como uma travessia do deserto, mas, ao mesmo tempo, foi uma época muito rica para mim, pois neste período descobri a América do Sul.
A minha primeira visita foi muito rápida, sendo convidado para ser jurado no Festival de Mar del Plata, na Argentina, pois após meus livros sobre o cinema, tive a oportunidade de fazer parte, durante alguns anos, do júri de festivais de cinema como o de Veneza etc., o que, na verdade, muito me agradava.
Depois, fui convidado pela FLACSO, a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, em Santiago do Chile e, nessa mesma ocasião, fiz a minha primeira passagem, a minha primeira chegada ao Brasil, convidado pelo amigo Guerreiro Ramos, já falecido, para uma conferência no salão nobre da Universidade do Rio de Janeiro. Só um detalhe: todos os professores estavam presentes e perceberam que não havia ninguém, ninguém para assistir a palestra. Nesse momento, chamaram os faxineiros, os auxiliares e todas as pessoas que ainda estavam presentes na universidade, pediram que sentassem, deram-lhes uma caneta e um caderno, pedindo que escrevessem e balançassem a cabeça em sinal de aprovação.
Muitos risos.
Essa foi minha primeira conferência no Brasil.
Risos.
Comentários em segundo plano.
Mas devo dizer que, em cada um desses países, descobri civilizações muito diferentes como a civilização mestiça do Brasil, o mundo indígena do Peru e da Bolívia. Vamos ouvir, então, um pouco de música latino-americana. Há uma música de que gosto muito e que se chama "Amor de mi amor", uma valsa peruana.
A produção informa que não tem o original.
Então, como não temos o original, ouviremos uma versão francesa que é bem diferente "La foule" ("A multidão"), cantada por Edith Piaf, mas podemos ouvir o que vocês quiserem.
Risos...
La foule
Je revois la ville en fête et en délire
Suffoquant sous le soleil et sous la joie
Et j'entends dans la musique les cris, les rires
Qui éclatent et rebondissent autour de moi
Et perdue parmi ces gens qui me bousculent
Étourdie, désemparée, je reste là
Quand soudain, je me retourne, il se recule,
Et la foule vient me jeter entre ses bras...
Emportés par la foule qui nous traîne
Nous entraîne
Écrasés l'un contre l'autre
Nous ne formons qu'un seul corps
Et le flot sans effort
Nous pousse, enchaînés l'un et l'autre
Et nous laisse tous deux
Épanouis, enivrés et heureux.
Entraînés par la foule qui s'élance
Et qui danse
Une folle farandole
Nos deux mains restent soudées
Et parfois soulevés
Nos deux corps enlacés s'envolent
Et retombent tous deux
Épanouis, enivrés et heureux...
Et la joie éclaboussée par son sourire
Me transperce et rejaillit au fond de moi
Mais soudain je pousse un cri parmi les rires
Quand la foule vient l'arracher d'entre mes bras...
Emportés par la foule qui nous traîne
Nous entraîne
Nous éloigne l'un de l'autre
Je lutte et je me débats
Mais le son de ma voix
S'étouffe dans les rires des autres
Et je crie de douleur, de fureur et de rage
Et je pleure...
Entraînée par la foule qui s'élance
Et qui danse
Une folle farandole
Je suis emportée au loin
Et je crispe mes poings, maudissant la foule qui me vole
L'homme qu'elle m'avait donné
Et que je n'ai jamais retrouvé...
Esta tarde, vamos ouvir o "El Condor Pasa".
Também me fascinou muito o mundo indígena, o mundo indígena tal como conheci na Bolívia e no Peru.
Vocês viram a estátua de [incompreensível]? Não. Bem, não temos a estátua.
Então, vamos ao Brasil, com a “Marcha dos Orixás”:
Meu Pai Oxalá
(Toquinho - Vinícius de Moraes)
Atotobaluaiê, atotobaluaiê...
E o velho Omulu, atotobaluaiê...
Vem das águas de Oxalá
Essa mágoa que me dá.
Ela parecia o dia
A romper da escuridão.
Linda no seu manto todo branco
Em meio à procissão.
E eu que ela nem via,
Ao Deus pedia amor e proteção:
Meu Pai Oxalá é o Deus,
Venha me valer.
Meu Pai Oxalá é o Deus,
Venha me valer.
E o velho Omulu atotobaluaiê,
E o velho Omulu atotobaluaiê.
Que vontade de chorar
No terreiro de Oxalá.
Quando eu dei com a minha ingrata,
Que era filha de Yansã,
Com sua espada cor de prata
Em meio à multidão
Cercando Xangô num balanceio
Cheio de paixão.
Meu Pai Oxalá é o rei,
Venha me valer.
Meu Pai Oxalá é o rei,
Venha me valer.
E o velho Omulu atotobaluaiê,
E o velho Omulu atotobaluaiê.
Edgar Morin quis parar a música, mas a plateia pediu para continuar...
Após ter participado de sessões de macumba, mas sobretudo integrado uma vez ao Candomblé, em Fortaleza, tive uma ideia que me pareceu importante. Lá, entendi a importância do fenômeno da possessão, pois pela primeira vez, estava vendo fisicamente e de forma concreta, que os Orixás ou os Exus se manifestavam quando invocados, tomam posse da pessoa que, repentinamente, começava a falar com a voz do Orixá. Esse fenômeno da possessão me pareceu muito importante, ainda que se tratasse de uma manifestação extremada, pois é um fenômeno absolutamente normal, se bem que de formas diversas em todas as religiões. Em todas as religiões, dirigimo-nos à estátua de um deus, vamos ao templo e agimos como se o deus estivesse presente, obedecendo-o, pedindo-lhe graças, o que quer dizer, que somos possuídos não só pelos deuses como também pelas ideias. Nossas ideias não são somente o produto de nosso espírito, elas têm vida própria e nós as alimentamos com nossas aspirações, nós as alimentamos com o nosso cérebro. E essas ideias são capazes, uma vez tornadas autônomas e alimentadas por nós, de nos dominar, de nos dizer e de nos ordenar: "Mate por mim", "Morra por mim", exatamente como fazem os deuses. Então, essa ideia de que somos possuídos pelas ideias, o fenômeno da possessão talvez seja o mais geral e o mais comum. Somos possuídos também pelos nossos genes, pois sem eles não viveríamos e o nosso cérebro não existiria; agimos automaticamente para comer, andar; parecemos semissonâmbulos na vida, possuídos pelas ideias e pela cultura na qual estamos integrados etc. E coloquei esta ideia da possessão, claro, de uma forma complexa, quer dizer, podemos possuir as ideias que nos possuem, como nas religiões, ou da mesma forma que o crente possui o deus que, por sua vez o possui, quer dizer que pode lhe pedir: "conceda-me uma graça, faça isto ou aquilo por mim". Portanto, possuímos os genes que, por sua vez, nos possuem. Essa ideia do caráter de semissonambulismo da vida, em que agimos automaticamente e que somos constituídos de vários milhares de células cuja existência e funcionamento ignoramos, células essas que nos constituem e que ignoram nossos sentimentos, essa ideia foi um fenômeno que nasceu em Fortaleza, de uma experiência de Candomblé.
Naquela época, no Brasil, surgia o "cinema novo". Conheci Glauber Rocha e muitos filmes me impressionaram, como por exemplo, "A Falecida" de Leon Hirschman. Esqueci de pedir o final do filme. É muito bonito. Há um lindo final com o personagem, um pobre diabo cuja esposa está muito doente. Ele tem uma paixão, naturalmente o futebol, e tem um jogo com o seu time. Ele tem dinheiro para comprar medicamento para a esposa, mas possuído pelo futebol, ele vai assistir ao jogo. No jogo, ele vibra, grita e, ao final, ele fica louco de alegria, pois o seu time ganhou. Após este estouro de alegria, cai em si, tomando consciência de que a esposa está morrendo e que ele gastou todo o dinheiro dos remédios e desata a soluçar. O filme é “A Falecida”. Certamente vocês o conhecem.
Vocês o conhecem?
Resposta da plateia: sim, sim....
Agora, vamos ao Método. Quando voltei da Califórnia, e fiz o Centro de Estudos Antropológicos, o Centre Royaumont para o Estudo do Homem, eu tinha a ideia de fazer uma coisa que se chamava o método. Não sabia o que ia colocar, mas a palavra Método tinha se imposto a mim, um pouco no sentido "Tao" do termo, significando a via, o caminho, isto é, no sentido grego, original da palavra. E para isso era preciso fazer uma verdadeira reconversão da vida, porque não se tratava mais de um livro que poderia escrever em dois ou três anos; era um trabalho, sentia-me como um pintor frente ao seu cavalete, pintando pequenos quadros e que, bruscamente, se torna um pintor de afrescos como Michelangelo. Era preciso mudar tudo na vida, nos hábitos. Era preciso fazer uma reconversão. Como imagem aproximada da reconversão, vou lhes dar uma que acho magnífica. Trata-se da imagem da conversão, da reconversão, do deslumbramento de Paulo - de Saul antes de tornar-se São Paulo - a caminho de Damasco.
O quadro, por favor.
Olhem. O Saul estava tomado. Estava tão deslumbrado pela verdade.
O som sumiu. Morin repete.
Saul estava tão deslumbrado e fulminado pela verdade imposta por esta luz, pelo raio, que caiu do cavalo e o cavalo fazia movimentos da pata para evitar pisoteá-lo. Acho isso extraordinário, porque muitas conversões têm o aspecto de um raio que cai sobre a pessoa. Muitas conversões tomam o aspecto de fulminação, pois toda a visão do mundo muda. Há passagens muito belas na primeira epístola aos Coríntios e outras sublimes sobre o amor nas quais São Paulo diz: "Sem amor, não sou nada ... somente um címbalo retumbante."
Público fala e ri porque a intérprete falou corintiano...
Ela pede desculpas, mas não havia entendido...
Morin diz que na época não havia futebol.
Risos e comentários sobre times.
Fala mais, mas é incompreensível.
Risos
Morin continua:
Saul também profere esta ideia universal: "Não há mais judeus nem gentios, não há mais gregos, nem bárbaros, não há mais homens nem mulheres". Esta é a ideia universalista.
Vamos continuar. No que diz respeito a "O Método", não se trata de uma fulminação, mas sim de uma verdadeira reconversão que exigiu um longo esforço de trabalho, iniciado em 1972/1973 e que ainda não terminou, como vocês sabem, quatro volumes já foram publicados e os outros estão em fase de preparação. Espero terminar esta obra antes que ela acabe comigo!
Risos.
Como demonstração do trabalho, da obstinação e da fé colocados na minha obra, tomo a liberdade de lhes mostrar a cena da fabricação do sino no filme, que, no meu entender, é um dos mais belos filmes que conheço, chamado "Andrei Rublev" de Tarkowsky.
PROJEÇÃO DO FILME O filme continua passando como pano de fundo e Morin pede para baixar o som e continua:
Era o resultado final de um trabalho de antropologia, também da experiência na Califórnia e de um grupo, ao qual pertenci em Paris, chamado "O Grupo dos Dez", composto de biólogos, cibernéticos e psicanalistas. Ele foi muito importante, aprendi muito. Porque o problema fundamental era, para mim, entrar nos problemas-chave, principalmente da Física, ciência da qual estava afastado e tinha pouca experiência. Era evidente que a Física estava em plena transformação. No século XIX, a Física se ocupava das leis da natureza, do determinismo, da ciência da simplicidade, pois se dizia que atrás da complexidade aparente das coisas, existiam leis simples da natureza. A ideia era a formulada por Laplace, no início do século XIX, dizendo que se um demônio dotado de senso e de inteligência muito potente pudesse conceber o nosso universo, ele poderia conhecer não somente os acontecimentos do passado, mas também os do futuro.
O mundo era uma máquina determinista perfeita, porém trivial e, portanto, banal, cujas ações podiam ser previstas, ao passo que toda a grande revolução na Física era a destruição desta máquina trivial de ordem perfeita e houve a erupção da desordem a partir da segunda metade do século XIX, com o segundo princípio da Termodinâmica – e, sobretudo, a teoria do calor, tal qual elaborada por Boltzmann – na qual a energia se conserva, qualquer que seja sua forma, mas se degrada assim que toma a forma de calor. Boltzmann explicava que o calor é o fenômeno da agitação das moléculas e como as moléculas se agitam ao acaso, o que há é a perda da capacidade de realizar um trabalho, e neste momento, a tendência natural à entropia, isto é, a tendência à equalização dessas moléculas em desordem. Para que haja um trabalho consistente, uma homogeneização, é preciso que haja sempre uma fonte de calor e uma fonte fria e, sem isso, o trabalho é impossível. Não existe, portanto, ordem pura e até na organização há uma tendência à desordem. Por exemplo, a desordem que observamos quando fervemos água em uma panela: no início ela estremece e se agita, em seguida todas as moléculas da água se evadem em desordem, sob forma de vapor. Uma vez que esta ideia importante tenha sido adquirida, podemos indagar: "Por que será que tudo não está em desordem permanente? Por que existem novas organizações no universo? Por que nascem as estrelas? Por que houve esta evolução, o surgimento dos animais superiores e do homem?" Era preciso compreender porque a desordem pode contribuir na formação de algo criativo e inovador. E este é o início da Termodinâmica de Prigogine, em que mostrava que em determinadas condições de desordem – como, por exemplo, o aquecimento de um líquido contido em um recipiente, cria-se uma espécie de fenômeno de turbilhão regulador, organizador. A organização seria assim o resultado de uma forma de cooperação entre a ordem e a desordem. Todos esses fenômenos nos obrigavam a repensar nos princípios de explicação habitualmente dados às coisas. E chegamos à questão fundamental apresentada no primeiro volume de "O Método", era preciso entrar nesses problemas. Como podem ver no filme, continuam cavando o buraco onde o sino poderá ser fundido e, em condições trágicas e terríveis, pois há os Tártaros, a fome e a peste, as condições mais terríveis.
Comecei, então, a escrever a introdução ao Método, aproveitando de um convite de um trimestre na New York University. Fiquei hospedado no 26º andar de um apartamento em Baker’s Street, um apartamento em umas daquelas torres altíssimas, com vista soberba sobre o rio Hudson, a Estátua da Liberdade, o céu e os aviões. Sempre tive necessidade do estímulo ecológico e do meio para escrever - mais tarde, continuaria a redação de "O Método" na Itália, na Toscana - e, esta introdução, redigida em Nova Iorque em condições muito felizes, e de certa forma, o microcosmo da obra e das ideias essenciais. Não foram somente as ideias essenciais, mas o que esclarecem o resto, as ideias chaves do trabalho.
Quando voltei a Paris, enfrentei muitas dificuldades: a dispersão, as ocupações várias, as amizades, as inimizades e não conseguia escrever, não tinha condições necessárias para trabalhar e imaginei estar estagnado e encontrava-me às voltas com esta contradição típica: não me via deixar Paris por muito tempo, como também era impraticável não deixar Paris e abortar esse projeto. Nesse momento, surgiram circunstâncias que chamo de providenciais.
Vamos ver o que se passa com o nosso sino no filme.
Estão trabalhando o molde e, como se trata de um trecho muito longo, talvez seja preciso que acelerem um pouco...
Projeção continua com Morin assistindo
Sugiro parar, se vocês puderem acelerar para que possamos chegar ao momento em que o sino será efetivamente fundido, quando interromperei a minha exposição para vermos a projeção. Vamos interromper o filme e quando chegar o momento, me avisem, por favor.
Quando estava em Nova Iorque, havia uma música que tocava sempre no rádio: "Angie" dos Rolling Stones. Ouço sempre música durante o meu trabalho e, ao ouvi-la, levantava-me e começava a dançar. Era uma época em que se dançava muito e isto estimulava o meu trabalho.
MÚSICA
Angie(M. Jagger/K. Richards, 1973)
Angie, angie, when will those clouds all disappear
Angie, angie, where will it lead us from here
With no loving in our souls and no money in our coats
You can't say we're satisfied
But angie, angie, you can't say we never tried
Angie, you're beautiful, but ain't it time we said goodbye
Angie, I still love you, remember all those nights we cried
All the dreams we held so close seemed to all go up in smoke
Let me whisper in your ear
Angie, angie, where will it lead us from here
Oh, angie, don't you weep, all your kisses still taste sweet
I hate that sadness in your eyes
But angie, angie, ain't it time we say good-bye
With no loving in our souls and no money in our coats
You can't say we're satisfied
But angie, I still love you, baby, everywhere I look I see your eyes
There ain't a woman that comes close to you
Come on baby, dry your eyes
But angie, angie, ain't it good to be alive
Angie, angie, they can't say we never tried
Vamos voltar ao filme...
Sugiro que acelerem um pouco mais até o momento em que o sino vai ser suspenso
Projeção do filme para
Enquanto isso poderíamos colocar o desenho de Escher, das mãos que se cruzam...
Corte e volta a projeção do filme
Vocês viram o filme de modo fragmentado e disperso, não sendo possível acompanhar este movimento extraordinário, este trabalho realizado com fervor e a criança que conhece o segredo para fazer esse sino e que vai significar o renascimento para a Rússia, que tinha sido vítima dos tártaros e tinha tido as igrejas destruídas. Está presente neste filme, de certa forma, um hino à Rússia. Em dado momento, um velho diz a Andrei Rublev, "Vai pintar, vai pintar!" e Rublev, que tinha parado de pintar, retoma sua vocação de grande artista. Suas obras podem ser vistas em São Petersburgo em um museu especial a ele dedicado. É um pintor realmente genial.
Vamos parar agora e depois retomar com as condições da elaboração de “O Método” e o que nos levou a refletir sobre o problema. E espero que tenhamos as músicas necessárias para esta tarde porque é muito importante. Eu agradeço a vocês.
Intervalo
Há um corte e o som fica irregular. Há uma frase inteira do Morin incompreensível
Estava, então, sempre às voltas com a grande tarefa de "O Método" em Paris, nas condições de esterilidade, da qual falei, e precisei me deslocar até Florença, na Itália, porque havia preparado e organizado um colóquio com meu amigo Cândido Mendes do Rio de Janeiro sobre o tema "A Crise do Desenvolvimento". Era um colóquio organizado em condições não universitárias, quer dizer, foi realizado na magnífica residência de campo de um amigo em Cimo de San Clemente, na Toscana, com belas paisagens de vinhas e oliveiras. Era uma casa muito bonita, com lindo terraço. Éramos aproximadamente quinze pessoas, e fui a este colóquio sem nenhum entusiasmo, pois estava preocupado com meu trabalho.
Na estação de Florença, a sobrinha do meu amigo, uma jovem encantadora, veio me buscar. Chamo-a minha "providência" em "Meus Demônios", porque ela entendeu meus problemas e ... nos amamos. Ela me disse que tinha chegado de Bali, para onde deveria retornar, dizendo ser impreterível eu trabalhar na Toscana marítima, na casa de um amigo dela, Ludovico. Em outras palavras, ela traçava meu destino e, quinze dias mais tarde, nos separamos com um sentimento de realização e de alegria mútua. E eu parti.
No momento de partir, aliás, dois dias antes de partir, encontrei uma vizinha, uma jovem cujo olhar azul me impressionou e pensei comigo mesmo: "Que pena, devo partir..." Na véspera de minha viagem encontrei-a novamente na rua, a caminho do hospital em visita ao seu pai operado dos olhos; perguntei-lhe se desejava partir comigo e anotei o número do seu telefone. Telefonei perguntando se ela queria partir comigo no dia seguinte, pediu uma hora para pensar e aceitou. Foi a minha segunda "providência".
Risos da plateia.
Estava em condições melhores para trabalhar, pois ela ia me ver com frequência. Foi assim que comecei a trabalhar. Fiz uma primeira redação contínua: um grande manuscrito em três partes, a primeira intitulada "A Natureza da Natureza", a segunda "A Vida da Vida" e a terceira "O Conhecimento do Conhecimento", quando percebi tratar-se de um volume enorme.
Interrupção ... Problema de som.
Risos.
Forte barulho. Parece que caiu algo.
Quem chegou? Alguém da plateia pergunta.
Risos, comentários.
Estava em um lugar extraordinário, com vista maravilhosa, nesta Toscana que amo tanto, nesta Itália, onde me sinto tão bem, como se estivesse em casa, mesmo estando no exterior, e gostaria que pudessem compartilhar esta minha sensação, com duas músicas.
A primeira é uma adorável canção napolitana, "Come ti hà fatto Mametta", que fala de uma jovem cuja mãe a fez tão bela.
MÚSICA
A plateia bate palmas ao ritmo da música.
Muitos risos, a maior alegria!
Podemos ouvir também a música “Caruso”, que exprime o sentimentalismo e a beleza do amor à Italiana.
Música Caruso cantada por Lucio Dalla
Voltando ao Método, comecei a trabalhar, a partir de 1974, a primeira parte de "A Natureza da Natureza", publicada em 1977, eu retrabalhei graças às críticas e sugestões de um amigo matemático. A segunda parte, publicada em 1981, precisou também ser refeita, pois um tema tratado de forma periférica no meu trabalho exigia cada vez mais ser o central, o tema do sujeito, do eu.
Fui auxiliado por uma pessoa que se tornou meu amigo, um professor da Universidade de Rennes de ecoetiologia, quer dizer, do comportamento animal no meio natural, e que organizara um grupo de pesquisadores. Casado pela primeira vez, esse homem abandonou a esposa para ficar com uma estudante com quem se casara de novo. Tinha filhos do primeiro e do segundo casamento e, quando a segunda esposa ficou mais idosa, apaixonou-se por outra estudante.
Risos.
Sua infeliz mulher, se queixava de que ele não fazia mais amor com ela. Um dia, ele perguntou "Você quer fazer amor comigo?" e, fazendo amor com ela, ele a estrangulou.
Risos.
Após enterrá-la no jardim de sua casinha, viajou de férias para o Rio de Janeiro em companhia da estudante.
Risos.
A família da esposa estranhou o desaparecimento e, sendo ele um intelectual, não sabia mentir e a polícia descobriu o corpo.
Risos.
Foi quase condenado à morte por ter cometido um crime tão hediondo, porém justificado pelo estado de delírio no momento do ato, já que se perde o controle no momento do paroxismo amoroso. De qualquer forma, por felicidade, raramente se estrangula a parceira!
Risos.
Este homem, condenado à prisão perpétua no presídio de Saint Maure, perto de Châteauroux, de onde ninguém conseguira fugir, tornou-se lá uma espécie de santo, pois se ocupava em educar os analfabetos, que ainda existem muitos na França entre os ciganos e os norte-africanos, encorajando os outros detentos a prestar provas para fazer estudos universitários. Um dia, escreveu-me uma longa carta dizendo: "O senhor talvez não responda, pois sou o homem que assassinou a esposa, mas lendo o seu primeiro volume..." e fez uma série de reflexões. Respondi-lhe e mantivemos uma longa correspondência. Obtive a autorização de visitá-lo e tornamo-nos amigos, também me tornei amigo de outros detentos, um dos quais apresentou uma tese muito interessante, a qual orientei, abordando o tema da mulher para os presos. Vocês sabem que para homens encarcerados, o tema da mulher é extremamente importante. Creio que esse professor me ajudou muito, pois aceitou fazer a crítica de meus manuscritos que lhe enviava gradualmente, assim como também lhe ajudei. Beneficiei-me de sua ajuda e em meu prefácio agradeci ao recluso. Creio que fui auxiliado nesse trabalho que entregava para ser lido, modificando-o segundo as críticas competentes de personalidades nas diferentes áreas e com as quais eu lidava. Durante este período, fiz o que chamo de "minha última reorganização mental", minha última reorganização.
Inicialmente, surgiu o tema da complexidade, que se tornou central. Havia surgido na Califórnia, ocasião em que lera as concepções da complexidade criadas pelos matemáticos e cibernéticos e que definiam o grau de variação de um sistema. Havia escolhido o tema, transformando-o e elaborando-o, e pensando que a complexidade não constituía uma resposta, mas sim um problema, um desafio; que o mundo real era complexo e que era preciso responder a estas questões. Quando dizemos que algo é complexo, significa sermos incapazes de descrevê-lo, incapazes de explicá-lo. Falar de complexidade é encontrar as ferramentas mentais que nos foram disponibilizadas pela educação, e que são as que nos ensinam a separar a história, a psicologia, a biologia, a sociologia etc., porém não nos ensinam a ligar o todo. Que ferramentas era preciso elaborar para fazer a ligação?
Por favor, mostrem novamente "As mãos que se cruzam", de Escher, mãos que se desenham uma a outra.
Imagem: As Mãos que se Cruzam de Escher
É um belo símbolo, pois retrata de certa maneira o sistema circular, uma roda; uma ideia que denominei a recursividade, ou seja, um processo cujos produtos são necessários à própria produção do processo e seus efeitos são necessários para retornar à causa. Este processo, que aqui parece estranho - uma mão desenhando a outra - é o mesmo processo que encontramos no fenômeno da reprodução, que mencionei. Somos os produtos de uma reprodução biológica, e tornamo-nos produtores e, novamente, e assim, o processo continua. O que quer dizer? A autoprodução, isto é, produzir-se a si próprio e, naturalmente, não nos produzimos em compartimento estanque, precisamos sempre de algum fator externo, da energia vinda de fora. Por exemplo, um turbilhão no rio que, de algum modo, se forma em condições de desequilíbrio, mas deve ser alimentado pelo fluxo do rio para continuar. O turbilhão é uma bela imagem, porque é uma figura circular, onde cada elemento é, ao mesmo tempo, a causa e o efeito do elemento seguinte e esta representação estável é uma figura onde estão unidos o início e o fim.
Finalmente, esta é a ideia central: o anel, o círculo, a espiral encontrada no cosmo ao observarmos nebulosas espirais; a própria Via Láctea na qual nos situamos. Esta é a forma da gênese, da constituição das coisas. Era preciso encontrar, portanto, a ferramenta e sua utilização - este é um ponto importante - e era preciso um pensamento que pudesse suplantar a separação e isto chamei de dialógica, herdeira da dialética, uma corrente de pensamento sempre em minoria na história do Ocidente, porém com outros aspectos importantes, como por exemplo, a filosofia chinesa com o "Tao".
E, se o meu leitor ou minha leitora estiver aqui, gostaria de ouvir a leitura de um fragmento de Heráclito, por favor.
LEITURA
Viver a morte, morrer de vida, fragmento de Heráclito.
Juntem o que está completo e o que não está
O que concorda e o que discorda
O que está em harmonia e o que está em desacordo
É do que está em luta que nasce a mais bela harmonia
Tudo se faz pela discórdia
Despertos, eles dormem
Sem a esperança, não se encontrará o inesperado
Não nos apressemos em encontrar um julgamento sobre as coisas essenciais
O Deus, cujo oráculo está em Delfos, não fala, não dissimula, ele indica
São más testemunhas para os homens
os olhos e os ouvidos quando têm almas bárbaros
O mais belo arranjo é semelhante a um monte de lixo disposto ao acaso
A terra.
(Heráclito)
Heráclito de Éfeso, que viveu 600 anos antes de nossa era, grande pensador do qual conhecemos apenas fragmentos dispersos e que, em minha opinião, é um pensador colossal, extraordinário, pois soube mostrar ser preciso unir noções contraditórias. Podemos encontrar o mesmo, por exemplo, em Péricles, e que era, de certa forma, autoridade em Atenas, na democracia ateniense, e que durante a guerra do Peloponeso dizia: "Nós Atenienses, somos capazes de unir a prudência e a ousadia enquanto que os outros, ou são medrosos ou temerários." O que queria dizer? Que o verdadeiro problema é ser, ao mesmo tempo, prudente e ousado, duas virtudes aparentemente incompatíveis e que devem se unir. É um problema dos tempos atuais, extremamente vital, pois sabemos ser preciso lutar contra inúmeras inovações técnicas, como por exemplo, os organismos geneticamente modificados, o milho, a soja e muitas outras transformações. Devemos nos servir do princípio da precaução, quer dizer, do princípio da prudência, mas ao mesmo tempo, devemos ser bastante ousados nas políticas que ideamos, justamente por estarmos cercados dos perigos e, contra os perigos, precisamos ser corajosos e unir virtudes contrárias. Existem provérbios latinos muito belos, como este, “Festina lente”, que quer dizer - "Apressa-te, lentamente" - que significa que é preciso fazer depressa, mas sem precipitação, pois nos arriscamos a perder tudo. “Apressa-te, lentamente”.
Outro belo princípio do direito romano, "Summum jus, summa injuria", quer dizer, "Excesso de justiça, excesso de injustiça”. Ou seja, se o direito e a lei forem aplicados estritamente, comete-se mais injustiça do que quando se interpreta de forma mais flexível. A ideia de poder unir tanto no pensamento como na ação as noções contraditórias é a segunda ideia fundamental em "O Método", tornando-se absolutamente central.
Existe outro ponto de vista que chamei de princípio holográfico ou hologramático, isto é, a imagem do holograma. Vocês sabem que em um holograma, cada ponto do objeto representado contém praticamente toda a informação do conjunto. Por exemplo, se no holograma que representa um cavalo, o cortarmos em dois, não teremos dois meio cavalos, mas sim duas vezes um cavalo um pouco menos nítido; cortado em quatro, teremos quatro cavalos menos nítidos. Não somente a parte está contida no todo, mas o todo na parte. Esta ideia lembra outra antiga, reencontrada no Renascimento, quer dizer, a ideia do microcosmo e do macrocosmo, no qual o homem é semelhante ao microcosmo dos mundos nos quais se encontra. Esta ideia era, ao mesmo tempo, correta e falsa. Falsa, pois não somos o espelho da natureza, não somos o espelho das estrelas, não somos o espelho dos átomos; porém somos seres singulares e, nesta singularidade, possuímos todo o universo em nós. Temos, em primeiro lugar, as primeiras partículas criadas no início do universo e que se uniram para formarem os primeiros núcleos; temos os átomos de carbono indispensáveis à vida, forjados em um sol anterior ao nosso; temos as moléculas que se incorporaram aos meteoritos ou na Terra e, depois, as macromoléculas que se agruparam para criar a vida. Somos os herdeiros das primeiras células que se diferenciaram e que se perpetuam através de nós. Portanto, trazemos em nós todo o Universo e não somente as células. Na evolução da vida somos animais, mamíferos, antropoides etc. De alguma forma, o todo está no interior da pequena parte que nós somos, como em cada célula do nosso organismo, que possui a totalidade do patrimônio hereditário e é por isto que hoje podemos, em princípio, clonar um indivíduo, encontrar os meios técnicos para poder reativar o DNA desta célula para criar um novo embrião. O todo está na parte e, da mesma forma, estamos na sociedade sabendo que esta, como um todo, com sua linguagem, com sua cultura e suas formas está em nós. Este princípio é muito importante no mundo complexo, ou seja: o todo está na parte e não somente as partes estão no todo. É uma maneira de rever o mundo exterior, de rever a complexidade do cosmo, da vida e, naturalmente, a complexidade humana, pois cada ser humano é, ao mesmo tempo, único e múltiplo, com várias personalidades. É um cosmo de sonhos, aspirações, intenções, constituindo uma abertura ao mistério, porque sabemos hoje, que quanto mais avança o nosso conhecimento, mais desvenda o desconhecido e, talvez o incognoscível. Pascal dizia que a esfera do conhecimento ao se alargar tem maior contato com a esfera da ignorância. De certa forma, podemos dizer que quanto mais sabemos, menos sabemos. É o que fala o belíssimo poema místico de Juan de la Cruz, que peço seja lido agora.
LEITURA: San Juan de la Cruz
Entrei onde não sabia
Entrei onde não sabia
e assim fiquei não sabendo
toda a ciência transcendendo.
Eu não soube onde entrava,
porém, quando ali me vi,
sem saber onde eu estava,
grandes coisas entendi;
não direi o que senti,
e assim fiquei não sabendo
toda a ciência transcendendo.
Eu não soube onde entrava,
porém, quando ali me vi,
sem saber onde eu estava,
grandes coisas entendi;
não direi o que senti,
porque fiquei não sabendo,
toda a ciência transcendendo.
De paz e de piedade
era uma ciência perfeita,
em profunda soledade
entendia via reta;
era coisa tão secreta,
balbucia se fazendo,
toda a ciência transcendendo.
Estava tão embebido,
tão absorto e alheado,
que se quebrou meu sentido
de todo o sentir privado,
e o espírito dotado
de um entender não entendendo,
toda a ciência transcendendo.
O que ali chegava deveras
de si mesmo desfalece;
o que sabia primeiro
muito pouco lhe parece,
e sua ciência tanto cresce,
que nada fica sabendo,
toda a ciência transcendendo.
Quanto mais alto se ousa,
tanto menos se entendia,
que a nuvem tenebrosa
que a noite esclarecia;
por isso quem a sabia
fica sempre não sabendo,
toda a ciência transcendendo.
Este saber não sabendo
é de tão alto poder,
que os sábios perguntando
jamais o podem vencer,
que não chega seu saber
a não entender entendendo,
toda a ciência transcendendo.
E é de tão alta excelência
o verbo em sumo saber,
nem faculdade ou ciência
há que o possam compreender;
só quem soubesse vencer
com um não saber sabendo,
toda ciência transcendendo.
toda a ciência transcendendo.
De paz e de piedade
era uma ciência perfeita,
em profunda soledade
entendia via reta;
era coisa tão secreta,
balbucia se fazendo,
toda a ciência transcendendo.
Estava tão embebido,
tão absorto e alheado,
que se quebrou meu sentido
de todo o sentir privado,
e o espírito dotado
de um entender não entendendo,
toda a ciência transcendendo.
O que ali chegava deveras
de si mesmo desfalece;
o que sabia primeiro
muito pouco lhe parece,
e sua ciência tanto cresce,
que nada fica sabendo,
toda a ciência transcendendo.
Quanto mais alto se ousa,
tanto menos se entendia,
que a nuvem tenebrosa
que a noite esclarecia;
por isso quem a sabia
fica sempre não sabendo,
toda a ciência transcendendo.
Este saber não sabendo
é de tão alto poder,
que os sábios perguntando
jamais o podem vencer,
que não chega seu saber
a não entender entendendo,
toda a ciência transcendendo.
E é de tão alta excelência
o verbo em sumo saber,
nem faculdade ou ciência
há que o possam compreender;
só quem soubesse vencer
com um não saber sabendo,
toda ciência transcendendo.
E se o quiserdes ouvir,
consiste esta suma ciência
em um súbito sentir
da mui divinal Essência;
obra de sua clemência
é o não deixar entendendo,
consiste esta suma ciência
em um súbito sentir
da mui divinal Essência;
obra de sua clemência
é o não deixar entendendo,
toda a ciência transcendendo.
Vocês me perguntarão, mas para que serve conhecer, se chegamos à ignorância? É exatamente este o fato interessante, pois sendo ignorantes, não temos conhecimento desta situação. Ou temos certas ignorâncias, como da matemática, por exemplo, ou disso ou daquilo. Mas aqui, é o conhecimento que conduz a uma ignorância consciente dela mesma; ou seja, o saber não é inútil, pois conhecemos e entendemos inúmeros fatos, mas chegamos no limite dos problemas fundamentais, dos problemas maiores, como, porque existe um mundo e não o nada? Por que existimos? Por que vivemos? Por que existem princípios que fazem com que as partículas se associem? Etc. Chegamos, portanto, ao mistério do universo e à comunhão, à comunicação com esse mistério ocorrido de uma maneira profundamente poética e que a cosmologia nos ensina, aquilo que nos mostram as observações realizadas pelos telescópios e satélites e que revelam um universo fabuloso.
Então, gostaria de projetar agora as imagens cósmicas, as fotos cósmicas.
PROJEÇÃO DE FOTOS
...
É a última foto?
A explosão do Sol
A maravilha é se tratar de explosões nucleares bem mais terríveis das que poderiam aqui ocorrer, mas que fazem parte da própria estrutura solar, enquanto que na Terra destruiriam tudo. O que ocorre para que bilhões de astros possam viver bilhões de anos entre implosão e explosão?
Continuem.
Não há mais fotos?
Terminamos.
Tudo isto conduz à ética que será o fim de "O Método". Acredito ter falado durante a primeira sessão sobre o ensinamento do meu mestre Georges Lefèvre, mostrando que a ação não obedece às intenções daqueles que a iniciam e, mais tarde, elaborei o que chamo de princípio da ecologia da ação, mostrando que a ação não obedece à intenção daquele que a faz, mas às condições do meio em que vai ocorrer. É muito importante acompanhar a ação para que ela não derive, quer dizer, procurar fazer com que ela não enverede em um sentido oposto; daí a necessidade de uma estratégia e também de uma moral. Não basta dizer: "Quero fazer o bem!"; é necessário também, como dizia Pascal: "Pensar bem, eis o princípio da moral". Quer dizer, ter um pensamento justo, e na minha linguagem, um pensamento complexo, não no intuito de ser infalível, mas para procurar errar o mínimo possível. Chegamos aos grandes problemas da ética, que não pretendo desenvolver aqui, porém acredito que um dos princípios – e é aquilo que digo no final de "Meus Demônios" – é resistir à crueldade do mundo, um princípio que precisa, naturalmente, da compreensão humana. Algo que cada vez mais me surpreende não é somente a incompreensão que temos diante de pessoas de outra religião, nacionalidade, ritos, cultos costumes, como também, a incompreensão que sentimos para com os outros, até com os entes próximos no seio da mesma família, entre irmão e irmã, pais e filhos, pessoas amigas e que podem se enganar sobre o sentido das palavras de outrem. Uma incompreensão é terrível, pois não conseguindo entendimento entre nós e não fazendo um mínimo esforço de compreensão, como poderemos esperar uma compreensão mais ampla entre os humanos? Este problema da compreensão me parece absolutamente fundamental e necessita uma autoanálise, necessita o respeito pelos outros e a vontade de entendê-los. A compreensão também é uma das formas de resistir à crueldade do mundo.
Queria que ouvissem um trecho de "O Adágio do Quinteto" para instrumentos de corda de Schubert, pois acredito ser um dos trechos mais tocantes e belos de toda música, mas não o localizamos; então ouvirão o início do célebre quarteto "A Donzela e a Morte", que fala da presença da morte e da fragilidade, da beleza da jovem.
MÚSICA
Sempre vemos mais que esses problemas da complexidade, do método, da ação do pensamento não são somente problemas intelectuais com finalidade acadêmica, mas são sim problemas vitais e globais.
No fundo, nesses últimos anos, um pouco por acaso, mas também por necessidade, sempre que tinha algumas ideias, queria vê-las aplicadas no ensino. Para reformar o pensamento, é preciso naturalmente passar pela reforma do ensino e redigi textos, principalmente dois livros que foram traduzidos para o português, "A Cabeça Bem-Feita" e o outro que é "Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro", nos quais indico que, dentre esses saberes, é preciso que o conhecimento não seja um objeto exclusivamente reservado aos epistemólogos, pois o ensino fornece o conhecimento, mas nunca explica o que ele é e, quando o faz, é sempre uma tradução do que é percebido e, como em toda tradução, há o risco de erro ou o risco de ilusão.
O conhecimento é uma tradução, uma reconstrução, podemos errar e é preciso saber qual processo aconteceu, um processo psicológico ou individual - frequentemente, como autojustificativa, procuramos nos iludir a respeito do que vemos e acreditamos - ou um processo cultural, com todas as possibilidades de errar e todas as indicações que podemos ter para lutar contra o erro e a ilusão.
Portanto, é preciso ensinar o conhecimento e o conhecimento do conhecimento; é preciso ensinar a condição humana e fazer convergir todas as disciplinas, desde a disciplina do cosmo, pois sabemos que dele somos originários e fruto do pó das estrelas, de uma aventura cósmica solar no seio da via láctea. Somos, portanto, a cosmologia, todas as ciências biológicas, com a ciência da evolução até a hominização e a emergência da humanidade. Acredito que é necessário compreender a psicologia como algo que concerne ao indivíduo como tal; a história como sendo seu destino histórico e a sociedade, seu destino social, não separadas, mas todas interligadas.
É preciso considerar também que a literatura não é um luxo, não é somente um objeto de estudo semiótico, mas sim uma forma de restituir a vida. Na literatura e no romance, não vemos seres abstratos, mas sujeitos, seres que possuem uma alma, seres que vivem em um meio, têm paixões, sentem amor, ódio e ambição, e todos os grandes romances do mundo nos ensinam a viver. Acrescento que nos romances e na literatura, encontramos novamente nossas próprias verdades. Já falei de Dostoievsky, Tolstoi, Rimbaud, pois é através da literatura que as verdades em nós adormecidas despertam e tornam-se nossas verdades. A literatura, assim como o cinema, quando bem concebidos, representam uma aprendizagem da compreensão humana, não somente da complexidade humana, porque sabemos o quanto são complexas as relações humanas quando lemos Dostoievsky ou Marcel Proust. É um verdadeiro ensinamento, que vem do cinema, como já disse, com o vagabundo (de Charles Chaplin), com Raskólnikov, de Crime e Castigo... Entendemos o próximo muito melhor do que na vida real, e é esta compreensão que é preciso inserir na realidade.
Assim, a condição humana é um estudo imprescindível para fazer tudo convergir e a poesia é uma iniciação à qualidade poética da vida. Não se trata somente de aprender belos poemas, é preciso aprender a sentir a qualidade poética, da mesma forma que o aprendizado das artes, da pintura, da música, nos ensina a qualidade poética da vida que transferiremos para outros domínios e para nossas próprias experiências. É preciso também ensinar a confrontar-se com a incerteza.
Sabemos que a existência do mundo conheceu inúmeras catástrofes; três grandes no decorrer da evolução biológica decorrentes de acidentes externos, como o impacto de um aerólito. Sabemos também que após uma destas catástrofes, aconteceu a extinção dos dinossauros dando chance a pequenos mamíferos roedores, nossos ancestrais, se manifestarem.
Quantos acasos, quanto caos! Todos os impérios da antiguidade ruíram; nos tempos modernos, foi a vez do Império Otomano, do Império Austro-Húngaro e recentemente do Império Soviético. Devemos aprender que o futuro não está selado e que caminhamos em direção a uma aventura desconhecida, que não sabemos qual será o amanhã e que devemos nos fortalecer para enfrentar o desconhecido. É preciso também tomar conhecimento do mundo, isto é, fazer do aprendizado daquilo que ocorre sobre nosso planeta o ponto central; é preciso fazer convergir a geografia, a história, a economia e tudo o que acontece na Terra. É preciso promover uma reforma do pensamento e do ensino. Estamos distantes do alvo, porém podemos indicar as direções e as finalidades. É preciso naturalmente resistir à barbárie, a velha barbárie que renasce sob suas mais atrozes formas por ocasião de cada conflito. Já a defrontamos em diversos lugares, na Bósnia, no Kosovo, em Ruanda. Em todos os lugares.
Até a Alemanha, país mais culto e civilizado da Europa, afundou na barbárie! A Rússia, que tem o povo mais humano, onde os sentimentos são mais ricos, foi um país vítima da barbárie. Ela está presente, hoje, ameaçando-nos novamente, esta velha barbárie de destruição e ódio, aliada a uma nova barbárie, nascida em nossa civilização, uma barbárie fria, gélida, a da técnica e dos cálculos que ignoram os sentimentos e a vida. Infelizmente, sempre mais economistas, técnicos e tecnocratas estudam o mundo humano servindo-se unicamente de cálculos e tudo que escapa aos cálculos, quer dizer a vida, os sentimentos, o amor, tudo isso é eliminado. E certamente, eles se enganam com muito mais frequência do que o pobre e simples cidadão.
Temos, portanto, problemas gigantescos, problemas enormes para os quais precisamos de uma energia e força de vontade descomunais.
Gostaria de lhes pedir para ouvir novamente o início da Nona Sinfonia de Beethoven.
MÚSICA
Vamos terminar hoje e, se quiserem e tivermos tempo, poderão me fazer perguntas. Portanto, podemos ter um espaço para um intercâmbio. E vou ligar o tradutor simultâneo para escutar em francês e poder responder às perguntas.
“A tradução está bom”.
Risos
Questões do público e respostas de Edgar Morin
Q. Professor, talvez seja uma questão menor, dentro do contexto no qual o senhor falou, mas é algo que me interessa muito e tem um fundo histórico. Gostaria de saber se a alternativa de não terem acontecido esses processos de Stalin tem como causa a fragmentação da União Soviética naquela época, tornando “a Mãe Rússia” mais suscetível ao expansionismo ocidental, em especial o alemão?
E. Morin: Sim, trata-se de uma pergunta historicamente muito importante e responderei de forma abrangente. Acredito que a revolução de outubro na Rússia ocorreu, em 1917, em condições precárias vindas da Primeira Guerra mundial e da decomposição do exército russo. Havia um avanço popular em direção à paz e, ao mesmo tempo, reivindicações de terra por parte dos camponeses e dos partidos revolucionários, dentre eles o bolchevique, que pretendia dar todo o poder aos soviets. A doutrina comunista, de Lenin era que, para formar uma sociedade socialista seria necessário, em primeiro lugar, construir uma sociedade burguesa. No início, sua meta não era fazer uma revolução, mas após a queda do Czar e diante da decomposição do regime de Kerensky, Lenin mudou de estratégia, em suas famosas teses de abril 1917 conduzindo à revolução, com a ideia que não se tratava de estabelecer o socialismo na Rússia, mas sim de ajudar a revolução mundial. A esperança era a revolução alemã e a inglesa, países mais desenvolvidos. Como, após a Primeira Guerra mundial, não houve revolução na Alemanha, somente uma tentativa severamente reprimida, não houve revolução na Inglaterra e tampouco houve revolução mundial, criou-se na mente dos dirigentes bolcheviques a ideia de perenidade. Uma oposição ocorreu entre as teses de Trotsky, dizendo que era preciso fazer a revolução permanente em outro lugar, senão o regime endureceria e perderia suas qualidades, e a ideia de Stalin de fazer o socialismo em um só país, conduzindo-o à industrialização sob condições extremamente severas. Porém, desenvolveu-se na época da guerra civil, uma polícia política contra os estrangeiros e o endurecimento da União Soviética teve um conjunto de fatores. Devemos aqui incluir o circuito ou as causas circulares, pois o bolchevismo era de fato um partido construído sobre um modelo autoritário, em condições de clandestinidade e diferente dos outros partidos sociais democratas. Trazia em si um sistema de investigação quase policial, construído de maneira militar e além do mais, possuía a verdade, a do marxismo. Este partido autoritário desenvolveu um pensamento autoritário que não era necessariamente o de Marx. Ele o desenvolveu em condições determinadas, quer dizer, uma guerra civil impiedosa, um cerco feito pelos países capitalistas e, finalmente, o atraso no qual se encontrava a Rússia Czarista. Era um conjunto de condições internas, ou melhor, de fatores internos e externos, que conduziram depois ao endurecimento do regime de Stalin. O culto a Stalin foi justificado dizendo ser necessário para unificar as populações muito diferentes da União Soviética, porém este culto promoveu caracteres regressivos e bárbaros e a "máquina" stalinista começou a ruir durante os anos 1934, 1935 com os grandes expurgos. Escrevi um livro intitulado "A Natureza da URSS", no qual procuro entender todos os elementos que interferiram, pois Marx não é predecessor direto de Lênin, existem naturalmente elementos oriundos do primeiro, assim como Lênin não é predecessor direto de Stalin, há elementos do leninismo que vão até o stalinismo. É preciso entender este sistema, as condições do cerco são incontestáveis, mas as condições internas também. Acredito que se faz necessário uma explicação complexa do fenômeno que foi a União Soviética.
Q. Gostaria que o senhor aprofundasse, discorresse mais sobre a sua experiência, dentro de seu método, na questão educacional, considerando que o senhor está ligado a esses debates, tanto na França que em Portugal.
E. Morin: Vocês sabem que foi uma experiência sem grandes resultados, porém muito importante para mim. Para minha grande surpresa, fui chamado pelo Ministro da Educação francês, Claude Allègre, que me pediu para presidir um comitê científico para examinar a reforma dos programas de ensino nos liceus, isto é, nas escolas secundárias. Aceitei, porém após ver os nomes dos membros do conselho científico, fiquei muito preocupado porque havia personalidades extremamente diferentes. Consegui introduzir algumas pessoas em quem confiava, mas o comitê era heterodoxo demais. Quando se tem uma assembleia de personalidades muitos diferentes, mesmo sendo geniais, só podem encontrar um denominador comum mediano e medíocre. Para que um projeto de reforma avance, é preciso poucas pessoas com uma paixão comum.
Problema de som, Morin repete.
Uma reforma não pode ser entregue a representantes tão heterogêneos e com diferentes opiniões e, ainda, para que tenha sucesso, é preciso que essas poucas pessoas, com uma paixão comum, sejam capazes de propô-la e levá-la a cabo.
De qualquer forma, havia no gabinete do Ministro um membro, matemático de formação, que concordava com uma tentativa experimental chamada jornadas temáticas, nas quais poderia provar aos professores, que suas disciplinas podiam ser religadas. Promovi dez jornadas. Uma consagrada ao cosmo, com a intervenção de físicos e cientistas em cosmologia; uma consagrada à Terra, com a intervenção dos cientistas dedicados à Ciência da Terra; uma consagrada à Vida; uma consagrada à Humanidade; uma à Literatura e às Artes; uma à História e a última era consagrada à abordagem da reforma do pensamento necessária. Tentei mostrar o fio condutor e, como, partindo do cosmo, podíamos seguir um romance, uma aventura extraordinária, que acontece para a humanidade e que continuará mais adiante, não sabemos como. Em outras palavras, podemos recriar objetos porque o estudo da física e da química é uma coisa abstrata, mas se introduzirmos a física e a química na história do mundo, na aventura do mundo, fica muito mais interessante e, se começarmos a entender que fazemos parte da história do mundo, torna-se cada vez mais importante. O resumo dessas jornadas foi publicado no livro intitulado "Religar os Conhecimentos", com as contribuições de todos os participantes. Era preciso tentar demonstrar que podíamos religar os conhecimentos entre si sem destruir as disciplinas. Esta experiência não teve sucesso, o Ministro permitiu que uma coalizão heterodoxa se formasse contra ela, constituída por professores do ensino secundário, sindicatos, os "mandarins" da Universidade; e o próprio ministro fazendo comentários jocosos, ironizando alguns professores. Ele se intimidou e terminou fazendo algumas pequenas reformas sem importância, e como sempre ocorre na França, quando pretendemos fazer uma reforma, conseguimos somente reforminhas. Por outro lado, a ideia que é preciso fazer esta transformação do pensamento e religar os conhecimentos não teve apoio suficiente, não encontrou eco na imprensa, nem nos jornalistas e na maior parte dos intelectuais, que não demonstraram interesse. Minha reflexão resultou no livro "A Cabeça Bem-feita", o relatório feito ao término da minha missão ao ministro. Neste mesmo diapasão, a UNESCO e a divisão que se encarrega "de educar em vista de um futuro viável" solicitou-me que elaborasse um texto, que se tornou "Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro", no qual pude desenvolver plenamente minhas ideias. É verdade que a divulgação desse texto, e antes também de "A Cabeça Bem-feita", chamou a atenção do ministro da Educação de Portugal e afirmando inspirar-se em minhas ideias, me aconselhou que nunca deveria utilizar a palavra "reforma". Deveria empregar "mudança, modernização, adaptação ... porque a palavra reforma, assusta". Que época!
Quanto ao ministro da Colômbia, homem de vasta cultura, ficou totalmente seduzido e onde provavelmente irei no mês de novembro, a Cartagena, onde várias universidades trabalham com os temas dos "Sete Saberes" e da reforma do pensamento. Tive também entrevistas no Uruguai e expus estas ideias alguns meses atrás em Brasília diante de uma assembleia de professores. Minha semeadura assemelha-se a uma árvore. Minhas sementes dirigem-se em todas as direções e não sei qual será o resultado. Muitas vezes, as sementes caem em terreno inóspito e nada acontece, mas às vezes, muito longe, muito longe, ocorre que algumas germinam de forma inesperada e produtiva... O mesmo ocorre com as ideias sobre a complexidade. Estou muito feliz por obter resultados em países de língua latina, no Brasil, na Argentina, no Chile, no Uruguai, na Itália e na Espanha. Trata-se de uma reforma radical, uma reforma muito importante, é preciso mudar as instituições e, sobretudo, as mentes. Quando afirmei ao ministro Allègre que primeiro era preciso mudar o ensino superior, ele respondeu: “Uh! Lalá! O senhor sabe, mudar as mentes é uma tarefa muito difícil". De fato, é mais difícil mudar as mentes do que as instituições.
Q. Professor Morin, o senhor disse ontem que havia participado, como testemunha, de dois movimentos revolucionários na Europa no final do século passado, em maio de 1968 na França e em abril de 1975 em Portugal. Desde então, poucas coisas têm surgido de novo no movimento político europeu. Nesse início do século XXI, o senhor vê alguma possibilidade de um movimento revolucionário ou mesmo de um movimento governamental, que faça frente à globalização?
E. Morin: É uma pergunta muito vasta. Não participei da mesma forma como comunista pois, durante a guerra, era imprescindível a militância integral, pertencer ao Partido, enquanto que em maio de 1968 eu fui uma testemunha com liberdade de expressão nas colunas do jornal "Le Monde" relatando os fatos, dando um parecer favorável aos acontecimentos, incompreendidos e desconhecidos pela maioria das pessoas. Não fui, portanto, um ator, fui um ator indireto, através dos meus escritos. Em Portugal, estava presente, porém não no exército português, tinha amigos que participaram dos acontecimentos, vivenciei-os, mas não fui um personagem atuante. No plano político, não aderi a nenhum partido desde a experiência do Partido Comunista. Prefiro permanecer independente, tendo a possibilidade de expressar minhas ideias no diário francês "Le Monde" quando algum acontecimento ocorre, como na guerra do Golfo, em Kosovo e na Iugoslávia, pois posso intervir e sinto que posso ser autêntico e mais eficiente do que no seio de um partido. Por outro lado, tenho muita simpatia pelas ONGs, Organizações e Associações não Governamentais, como por exemplo "Médicos sem Fronteira", "Anistia Internacional" e "Survival Internacional", nas quais participo não diretamente, mas com uma contribuição também manifestando meu ponto de vista e elas me entusiasmam. No que diz respeito à Seattle, escrevi um artigo no "Le Monde" intitulado "O século XXI começou em Seattle", no qual dizia que o importante debate ocorrido no final do século passado, em dezembro em Seattle, possibilitou-nos entender que um problema mundial requer uma resposta mundial. Em outras palavras, a resposta a esta hegemonia do mercado, a esta hegemonia da mercadoria e a esta hegemonia de todos os processos industriais, anônimos, capitalistas e técnicos que destroem a qualidade da vida, não pode ser outro isolamento, cada um ficando em seu território, mas deve ser uma ligação entre o local e o mundial, obtendo uma resposta global. Seattle é uma resposta mundial e não, em minha opinião, uma resposta antiglobalização, mas sim uma resposta para um outro tipo de globalização e não podemos esperar obtê-la sem esforços. Achei o caso de José Bové muito simbólico porque ele começa com a defesa de um produto autêntico, um queijo feito com leite cru chamado Roquefort e, na defesa deste produto
[corte e o trecho em seguida não está no vídeo: ataca um símbolo da alimentação homogeneizada, o McDonald’s local. Pelo viés do Roquefort, manifestou-se em Seattle o elo entre o regional, a diferença dos interesses regionais, que é ao mesmo tempo a defesa da agricultura biológica de qualidade, a defesa da pequena e média exploração, contra a grande exploração industrializada e dos produtos geneticamente modificados. Houve um consenso entre diversos fatores que possibilitaram uma resposta provisória, porque é evidente que em Seattle durante o protesto, havia elementos com divergências enormes, sindicatos americanos e agricultores americanos, o que também é muito importante. Houve uma resistência nos EUA contra a hegemonia da Monsanto...]
que se apropria da vida, vendendo milho e plantas geneticamente modificadas. A Monsanto quis até vender plantas possuindo um gene denominado Terminator, que os impedia de se reproduzir, obrigando assim os camponeses a comprar suas sementes.
Havia representantes do continente africano, do mundo pobre e, naturalmente, havia grandes diferenças, porque na própria conferência oficial de Seattle, existiam divergências entre Europeus e Americanos, como também entre representantes de outros países, seja a China, sejam os países da África, por não existir uma verdadeira unidade, mas o caminho a ser seguido está delineado ou, pelo menos, um esboço de caminho. Por que o caminho é difícil? Porque até o presente momento, nenhum partido conseguiu controlar o movimento de modo a utilizá-lo e desvirtuá-lo. Sempre que um partido pretende monopolizar um movimento termina pervertendo-o, pois enquadra-o em seus próprios dogmas. O movimento deve permanecer espontâneo. Há também uma outra coisa. Há o fato que propõe um tipo de política que defenda em todo lugar o qualitativo em detrimento do quantitativo. Podemos dizer que todos os acidentes alimentares que ocorrem, vão finalmente ser úteis ao movimento. A Vaca Louca na Inglaterra e na Europa. O que é na realidade a Vaca Louca? É o resultado de uma alimentação infame feita com pó de carcaças de bovinos mortos, resíduos de vaca, que obrigam esses animais vegetarianos a comer, e que resultou no desenvolvimento do Prion. Surgiram infecções originadas nas criações industriais de frangos e de porcos que poluem o lençol freático. Em todo lugar, procura-se fazer uma política de qualidade de vida nas grandes cidades, que são poluídas, que estão abarrotadas pela circulação dos automóveis, onde deveriam proliferar os transportes públicos saudáveis, grandes obras de estacionamento para os carros, para que se utilizem as vias para pedestres, ou ainda outros meios de transporte; ressuscitar as áreas rurais que tendem a ficar desertas, dando uma oportunidade não somente à agricultura biológica, mas também ao trabalho informatizado, aquele onde as pessoas possam trabalhar em suas residências utilizando o computador. Devemos, portanto, reunir várias iniciativas e elaborar não somente uma política de civilização, como também uma economia que possa responder ao transbordamento incontrolável, não somente do mercado mundial como também da predominância atual dos grandes grupos, das multinacionais. Por que é difícil? Porque a alternativa que alguns e mesmo muitos acreditavam existir no passado não existe mais, quer dizer, a economia burocrática soviética. A economia burocrática soviética e chinesa mostrou falhas e imperfeições, piores ainda das originadas na economia de livre mercado, como nos países da Europa Ocidental. É por causa dessas falhas e imperfeições que a infeliz Rússia se precipitou nos métodos dos Chicago Boys, dos economistas liberais, que produziram danos ainda maiores. Como disse muito bem o economista francês Alain Desrosières: "para lutar contra a programação, era preciso programar a desprogramação" e isto não pode ser feito repentinamente numa economia de mercado. Quando os preços e a economia são liberados, a máfia também o é, sendo aquilo que realmente aconteceu. Porém uma economia de mercado, com preços competitivos, necessita de normas jurídicas e controle. A economia mundial carece deste controle e sabemos que o FMI é insuficiente. É preciso criar instâncias de regulação. O mercado não pode ser eliminado, a economia burocrática não pode ser usada como modelo. A própria China se lança em uma economia de mercado em condições de opressão significativa, pois como sabem, os operários chineses não têm direito à greve, sendo esta a razão pela qual a China pode fornecer produtos no mercado mundial a preços baixos. É um problema difícil. O desenvolvimento industrial e econômico da China é necessário, mas precisa ser realizado em detrimento dos operários chineses? Devemos impor taxas alfandegárias para impedir a circulação dos produtos chineses e, desse modo prejudicar a China? Temos problemas mundiais extremamente difíceis para os quais devemos encontrar soluções intermediárias. Em minha opinião, nem a economia burocrática, nem a economia de mercado funcionam sem controle. Criar regulações é muito importante, mas é preciso caminhar em direção a uma economia pluralista, assim composta: uma parte de economia de mercado capitalista, uma parte de economia que podemos chamar mutualista, quer dizer, uma economia feita por cooperativas e uma parte de economia onde existem trocas de serviços recíprocos com uma moeda fictícia e cujos exemplos já vimos em alguns países.
Assim, a construção de uma economia pluralista é uma tarefa importante, com o controle do mercado mundial; estamos naturalmente no início desta tarefa. Não existem instâncias mundiais para fazer este controle e estamos ainda esboçando uma economia pluralista que ainda não é encorajada pelos Estados. Penso que a Europa deveria encorajar estas iniciativas, porém ainda não o fez. E existe uma política de civilização mostrando ser a questão da qualidade de vida, ou seja, aquela dos seres humanos, em todos os lugares, mais importante que os fenômenos quantitativos. Trata-se, portanto, de fazer uma grande reforma política que ainda não temos, só poucos indícios, e penso ser esta uma tarefa para as gerações vindouras.
Q. Professor Morin, percebemos durante esses dois dias que o senhor tem uma ligação antiga e bastante profunda e variada com a América Latina. Vimos que, nos anos 60 e 70, a América Latina era vista com simpatia pela França e, com a revolução cubana, a presença de Che Guevara como modelo revolucionário era tão popular na França quanto nos países da América Latina. Hoje, percebemos o contrário: parece haver uma antipatia generalizada em relação aos países da América Latina, não somente na França como na Europa em geral. Parece que a mídia traz somente notícias negativas sobre nossa região, como por exemplo, a questão do narcotráfico. Qual é a opinião pública francesa, particularmente dos intelectuais, sobre a América Latina hoje? E como, o senhor, que conhece bem a região, vê o papel da América Latina nessa nova ordem mundial?
E. Morin: Não concordo plenamente com o seu diagnóstico. O senhor dizia que nos anos 60, 70, a América Latina era vista com simpatia. Na realidade, o que era visto com simpatia na esquerda, nos meios revolucionários era naturalmente "Che", era Cuba, talvez também as guerrilhas ocorridas na Nicarágua, mas não a América Latina no seu conjunto. Penso que na Europa houve uma desmistificação do castrismo, pois entendo que para os habitantes da América Latina, o fenômeno cubano castrista representa uma resistência à toda poderosa potência yankee, aquela dos Gringos dos EUA. Porém, o sistema anterior era tão negativo quanto aquele das democracias populares da União Soviética com o culto do chefe, um sistema de repressão muito severo. Acredito que a desmistificação de Cuba seja um fenômeno positivo. Por outro lado, é preciso mencionar que os anos 60, 70, representam uma época de ditaduras na Argentina, no Brasil, no Chile com Pinochet e no Uruguai. Era uma época extremamente negativa. Infelizmente na França, como em todos os outros lugares, as pessoas não olham muito além dos horizontes, olham, sobretudo, os horizontes do próprio país, porém, em geral, nos meios que conheço, o advento da democracia nesses países é considerado como algo positivo e um fenômeno extremamente novo e importante, digamos, de progressão no nível mundial desse sentimento de uma consciência planetária. Recordemos o que ocorreu com o general Pinochet, que foi inicialmente preso na Inglaterra por conta de uma representação de um juiz espanhol e em seguida de um juiz francês para que fosse julgado pelos crimes cometidos na época de sua ditadura. Sob a repercussão desse julgamento, ele perdeu a imunidade parlamentar no Chile. Da mesma forma, o movimento para criar tribunais internacionais para punir os crimes como os ocorridos na guerra da Bósnia é um fenômeno importante. Abro um pequeno parêntese. O fato de potências de origem cristã, os países ocidentais, intervirem a favor de uma população não cristã, muçulmana na Bósnia, no Kosovo, é um importante sinal de evolução. Voltando à América Latina, onde ocorrem fenômenos importantes, não sou naturalmente a favor da punição, ou da ideia de se processar a qualquer custo, mas penso ser importante que a experiência das ditaduras permaneça para que se consolidem as democracias. Penso, portanto, que houve problemas, crises, crises econômicas há dois anos e acho que aqui mesmo no Brasil existem dificuldades que países da Europa já vivenciaram no passado. O senhor falava de drogas, é realmente um problema localizado na Colômbia, mas percebemos que o problema não é só colombiano, ou melhor, é colombiano e, ao mesmo tempo é muito mais abrangente. Por quê? Porque em primeiro lugar a cultura da coca se desenvolveu em detrimento da do café, quando as cotações do café baixaram no mercado mundial. E porque o narcotráfico, a máfia da droga precisa da proibição em países como os EUA e países Europeus, porque é seu único meio de manter o controle.
Interrupção por conta do som.
Vamos?
Em minha opinião, se em escala internacional houvesse a decisão de legalizar as drogas, como o tabaco e o álcool, que são legais, todo poder das máfias ruiria, já que não teriam mais esses lucros fabulosos. Encontraríamos a cocaína ou a heroína nas farmácias. Em minha opinião, estamos falando da Colômbia, porém o problema é mundial, nos carteis que se formam no mundo todo e, atualmente inclusive na Rússia. Em minha opinião, a América Latina é sempre tratada de maneira incapaz e deturpada, porque a consideramos sempre como estrangeiros, mas sentimos também uma atração cultural pela América Latina e descobrimos, cada vez mais, não somente suas músicas como também seus grandes escritores, toda essa riqueza cultural. Acho que o Brasil, sendo o país mais importante da América Latina, deve desempenhar seu papel na concertação mundial, porque conseguiu criar uma miscigenação, onde existe a melhor integração das populações de origem escrava, apesar de não ser total, como sabemos. Um país que, infelizmente, não soube tratar da questão dos índios, que continua sendo muito importante, em que o problema da reforma agrária continua, principalmente no Nordeste, mas é um país que mantém uma abertura para o mundo europeu e latino, para a Ásia, com sua importante população japonesa radicada, portanto é um país importante para o mundo e que pode desempenhar um grande papel no futuro. Vocês sabem, não sou profeta, não posso prever o que ocorrerá na América Latina, mas parece-me certo que cada país deste continente tente lutar do seu modo para ter um futuro melhor e é isso que me interessa e também me sensibiliza, pois se trata de países aos quais estarei certamente ligado daqui em diante.
Q.: Professor, qual é a importância das religiões para o senhor?
E. Morin: Em primeiro lugar, se falamos das grandes religiões, elas são universalistas e, em princípio, dedicadas a todos os seres humanos. Considerem o cristianismo, o islã, o budismo, são religiões que tem uma mensagem universal e uma mensagem, que podemos dizer, até fraternal. Mas, como no episódio do Grande Inquisidor, quando as igrejas se constituem, esquecem sua mensagem universal e, assim, por exemplo, entre o islã e a cristandade, na época das Cruzadas, durante séculos aconteceram batalhas, principalmente no cenário Europeu e na Palestina. São religiões que, quando se fecham em seus próprios dogmas, cada uma sendo detentora do verdadeiro deus, da verdade autêntica, bem como da verdadeira revelação, desempenham um papel extremamente negativo na história mundial. Porém, quando as religiões abrem sua mensagem universal a todos, podem naquele momento, desempenhar um papel muito positivo naquilo que chamaria hoje de cidadania terrestre, porque são um dos seus elementos. Considerem, por exemplo, o atual Papa. Mesmo tendo reservas sobre suas atitudes frente ao aborto ou à sexualidade, ele possui um sentido ecumênico, um sentido universal e finalmente desenvolve também esses sentidos apesar das carências ou lacunas que podemos encontrar. O erro dos materialistas, dos marxistas era de acreditar que as religiões deviam desaparecer, mas há algo de profundamente religioso no ser humano e se ele não possuir uma religião revelada, encontrará outras formas de religião, o comunismo foi uma delas, a da salvação terrestre. É preciso dizer também que existindo uma multiplicidade de seitas e de grupos religiosos, isto prova que a necessidade não foi satisfeita nas grandes religiões oficiais existentes. Penso que esta necessidade religiosa deveria também ser satisfeita pela ideia de religar os humanos entre si, porém acho que esta necessidade não precisa ligar as religiões; existe um desafio, ninguém sabe o que acontecerá após a morte. Pessoalmente, não acredito que haja outra vida após a morte, mas também não posso afirmar pois não experimentei, e quando o fizer não estarei aqui para dizer a vocês!!!.
Risos.
De qualquer forma, esta é minha opinião sobre as religiões.
Q.: Professor, partindo de uma citação atribuída a Jesus, que seria mais fácil ...
Problema de som.
Partindo de uma citação atribuída a Jesus, que seria mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus, isto se deve ao fato que o rico não está sempre disposto a dividir seus bens e a distribuir sua riqueza. Com o final da utopia socialista de igualdade e de qualidade de vida, gostaria de saber se o senhor acha que existe uma esperança para a humanidade frente à miséria ainda muito grande no mundo todo, de alcançarmos, sem revolução e métodos violentos, um ideal de justiça social, de igualdade, de fraternidade e de liberdade?
E. Morin: Acredito que o problema humano fundamental é exatamente este que o senhor colocou. Alguns acreditavam que podíamos resolver essas questões pela educação, mas Karl Marx disse: "Mas, quem educará os educadores?", o problema se origina nele mesmo. Pensamos também que iríamos resolver o problema eliminando, liquidando fisicamente as classes dominantes, as classes exploradoras e, de fato, na União Soviética, os capitalistas, os burgueses, os camponeses, as pessoas ricas foram eliminadas, mas uma nova exploração ocorreu com o partido, com a hierarquia e com uma nova classe dirigente e exploradora. Não há nenhuma chave que possa abrir as portas do futuro e por sinal, o futuro não tem porta. Como ocorrem as grandes revoluções, as grandes transformações? As grandes transformações ... são muito difíceis de prever antecipadamente. Suponhamos que há quatro bilhões de anos um extraterrestre tenha vindo visitar a Terra. O que teria visto do alto de sua aeronave? Erupções vulcânicas, tempestades, um caos terrível. Teria voltado para o seu mundo relatando: "Este planeta é um caos assustador, não acontece nada de interessante." Não teria percebido que aos turbilhões, começavam a se unir macromoléculas e que esta união daria ensejo ao primeiro ser vivo, quer dizer, ao nascimento da vida. Caso o viajante retornasse, há aproximadamente dois milhões de anos, veria árvores, florestas, mares, o que não é ruim, mas também animais ferozes e pequenos bípedes peludos correndo para pegar um coelho e tentando fugir de um leão que quer devorá-lo. Ele diria: "É realmente uma espécie ridícula, nada de bom surgirá desses seres, são muito bobos" e ele voltaria para seu mundo sem encontrar nada de interessante. Isto serve para afirmar que fatos e criações ocorrem, mas que é muito difícil prevê-las de antemão. Outro exemplo histórico. Há 2.500 anos, um gigantesco império, o império Persa se lançou na conquista de pequenas cidades gregas – principalmente Atenas – e deveria normalmente esmagá-las. Surge a primeira guerra medica com a aliança entre Esparta e Atenas. Esparta a duras penas resiste, defendendo o desfiladeiro das Termópilas. Os Persas parecem estar vencendo, porém numa habilidade estratégica, sua frota é esmagada e rechaçada, acontecendo a vitória de Salamina. Os Persas retornam surgindo a segunda guerra medica, novamente possuem a superioridade numérica e, pela segunda vez a pequena cidade rechaça a invasão. Resultado. O resultado foi o nascimento da democracia, da filosofia, acontecimentos altamente improváveis, pois na história, os acontecimentos positivos são improváveis.
Voltando aos dias de hoje, assistimos forças diversas esforçando-se no sentido de se chegar a um mundo melhor. Existem as associações das quais falei, tentativas para tornar a qualidade de vida melhor, associações de ajuda aos desempregados, as cooperativas, um borbulhar de forças que se criam, movimentos de emancipação da mulher, movimentos africanos, mas todas essas forças não são unidas umas às outras. Talvez essas forças possam, em um determinado momento, unir-se, juntar-se e criar condições para o nascimento de uma nova sociedade. Como sabem, as sociedades humanas eram compostas de algumas centenas de membros dispersos no planeta. Não havia agricultura, estado, exército, somente alguns chefes provisórios, os anciãos, que detinham o poder. Num determinado momento, em três regiões do mundo, na Ásia Menor, na bacia das Índias e na China, houve uma agregação dessas sociedades, a agricultura se desenvolveu, em seguida a criação de gado e um exército dominou os camponeses, o tributo se tornou a forma primitiva de impostos e um reino se criou; depois as cidades, os impérios, as civilizações, as classes sociais etc. E a aventura da História começou. Hoje, na era planetária, será que conseguiremos fazer um novo nascimento da humanidade, quer dizer, civilizar a terra? Nesta civilização da Terra, será que poderemos eliminar radicalmente o que deve ser eliminado, com os meios de produção dos quais dispomos, ou seja, a miséria? Será que poderemos estabelecer o reinado da justiça para todos? É uma possibilidade, porém improvável atualmente. Porém como disse a vocês, felizmente o que é improvável às vezes se realiza, e penso que a esperança está no sentido deste improvável. Responderei a mais uma pergunta, se houver. Depois, encerrarei.
Q.: Ontem, o senhor disse que ...
De novo, problema de som.
Repetindo: Ontem, o senhor disse que a revolução é um estado nascente e citou o amor como um estado nascente. E a morte? O senhor acredita também que seja um estado nascente?
E. Morin: Há pouco foi citada uma frase de Heráclito: "Viver de morte, morrer de vida", significa que a vida luta contra a morte e é a definição que Bichat deu no século XIX: "A vida é o conjunto das funções que resistem à morte", mas que resistem à morte utilizando-se dela. Nossas células morrem, mas são substituídas por outras, as de nossa pele, de nosso corpo, de nosso fígado. Em outras palavras, há um renascimento perpétuo, um estado nascente renascendo, que usa a morte das células e podemos assim continuar a viver. Os estados nascentes podem, portanto, em determinados casos utilizar
a morte, mas será que a morte pode ser considerada como um nascimento? No nosso mundo, certamente não. Por quê? Porque na hora da morte, ocorre este fenômeno natural da decomposição do cadáver e da dissolução daquilo que compunha o organismo. Houve crenças na humanidade de uma vida após a morte, crenças no renascimento, crenças na ressurreição, há as religiões da ressurreição e a mais grandiosa seria a religião cristã. Aqueles que creem, acreditam que a morte é um novo nascimento, mas aqueles que não creem, não conseguem acreditar!!!
Antes de encerrar, gostaria de lhes contar ainda uma coisa, pois falei do meu trabalho, da minha obra e das minhas ideias. Quando me olho, posso dizer que fui muito pouco predestinado por um forte cunho cultural, que tive que procurar sozinho minhas próprias verdades e que procurei permanecer com um ponto de vista humano universal. É uma das razões pelas quais fui comunista e escrevi "Terra Pátria"... Tudo isto é importante e sempre procurei alimentar minha curiosidade sobre todas as grandes questões. Houve acontecimentos que desempenharam um papeI importante na minha vida, tais como a guerra, minhas experiências e a sorte histórica de ter ingressado no CNRS, o Centro Nacional de Pesquisa Científica Francesa, em 1961 na seção de Sociologia. Muitos dizem que sou sociólogo por possuir este rótulo, mas não sou apenas isto e minha sorte foi poder fazer livremente os meus trabalhos. Pude escrever "O Método", o que me proporcionou navegar nas várias ciências e tive a ventura de não ficar fechado a uma única disciplina nem a um trabalho repetitivo. Ser culto para mim nos tempos de hoje, é tentar transmitir aquilo que oferecem as ciências e a cultura tradicional, a literatura artística e a filosófica, porque a cultura tradicional se interessa pelos grandes problemas e estes são renovados pelas ciências, reanimados e até mesmo ressuscitados: o cosmo, a natureza, o ser humano. Penso que a cultura não é somente a literária, aquela dos grandes autores, é também suprir-se de seus recursos. Penso que não basta ter uma cultura científica, pois sem cultura humanista fica-se preso em sua especialidade e têm-se as ideias mais banais e erradas a respeito do universo. Portanto, é preciso que ambas as culturas se comuniquem e devemos nos prover também da cultura literária, pois ela ensina a nos conhecer e a nos entender. Há uma frase maravilhosa de Marcel Proust, no final do livro "Um amor de Swann", onde o herói, parecido com o autor, era apaixonado por uma mulher chamada Odette, casou-se com ela e sofreu muito por sua causa. Era ciumento, atormentado e, quando vários anos mais tarde, parou de amá-la, disse algo assim, e essa citação não é literal: "E dizer que eu sofri, que fui infeliz, que perdi anos da minha vida por uma mulher que não era meu tipo e que, no fundo, eu não amava", o que quer dizer que acreditou erroneamente que amava uma mulher e não gostaria que esta ilusão acontecesse conosco. Precisamos nos autoexaminar, ver as coisas claramente, resistir à histeria e à alucinação que com frequência reina em todas as áreas, e à histeria política, pois pensamos ver coisas que não existem. Para um mundo melhor, não devemos pensar somente que é preciso mudar as condições sociais e históricas, é preciso unir a mudança interna, abrir-se à compreensão, à boa vontade e à mudança exterior. Tanto a mudança externa quanto a interna não podem alcançar nada sozinhas; somente quando obtivermos a união da mudança interior com a exterior poderemos ter esta esperança. Estamos na aventura desconhecida da humanidade e nesta aventura, vocês sabem, caminhamos, mas a trilha não foi predeterminada. "Caminante, no hay camino..."
Palmas.
No fundo, a música Caminante.
Comentários na plateia.
Agradeço muito a todos vocês, aos organizadores dessa reunião, a Nurimar Falci por sua dedicação e profunda amizade e pelo papel de rainha das abelhas que ela desempenhou nessa organização, obrigado a todos, sou muito grato ao Sesc, porque tive não somente prazer, mas uma grande emoção de rever essas imagens e ouvir músicas que foram marcantes em minha vida e que agora talvez também os acompanhem.
Muito obrigado a todos.
Palmas.
[1] É o "Heidenröslein", poema de Goethe, musicado por Schubert em 1815 e cantado pelas crianças alemãs.
fonte: Atelier ao vivo do pensamento de Edgar Morin AGOSTO de 2000 SESC VILA MARIANA - SÃO PAULO SEGUNDO DIA