Lucidez e esperança em tempos sombrios

Danilo Santos de Miranda

Edgar Morin completa 101 anos no dia 8 de julho de 2022. Com esse feito, ele é talvez o principal intelectual ainda vivo de renome mundial em plena produção arguta. A cada ano um novo livro seu surge, afora os inúmeros textos de intervenção e as entrevistas que lhe são solicitados por revistas, redes televisivas e jornais em busca de seu olhar e reflexão acerca dos acontecimentos recentes.

Por certo, temos o privilégio – eu, como seu amigo, e o Sesc, esta instituição de que sou o diretor – de manter relações profícuas que nutrem nosso caminho e alargam os horizontes do possível.

Já   tendo   nos   visitado   inúmeras   vezes,   participando   de   seminários,   proferindo conferências,  dirigindo  treinamentos  com  os  funcionários  e,  nestes  últimos  anos  de pandemia, aparecendo em transmissões online em nossa ação de nome Sesc Ideias, Morin  nos  envolve  desde  a  primeira  palavra.  A  verve  e  o  carisma  se  mantêm expressivamente nítidos junto aos traços dinâmicos e enérgicos de seu rosto, no qual se  divisa  seu  ânimo  e  em  que  se  vê  a  irradiação  contagiante  de  quem  encontra  no conhecimento  –  nos  saberes  que  compõem  de  modo  multidisciplinar  seu  conceito  de complexidade   –   a   alegria   de   viver   e   a   experiência   “secular”   acessível   para compartilhamento.

Este é o caso do presente texto de Edgar Morin que agora anexamos a este site: “Da URSS à Santa Rússia” é uma demonstração de sua capacidade analítica e reflexiva.

Convidamos  o  leitor  a  verificar  o  manejo  de  dados  históricos,  culturais,  religiosos, geográficos,   econômicos,   sociológicos,   políticos   (e   de   diplomacia   e   política internacional), antropológicos, ecológicos e psicanalíticos, quiçá mais um ou outro, que Morin une em um fio complexo e de notável clareza argumentativa. Apesar de se tratar de uma análise sobre a guerra entre Ucrânia e Rússia, este pensador incansável aponta, no  argumento,  a  necessidade  de  preocupação  com  a  preservação  do  meio  ambiente em combate à degradação ecológica.

Adicionalmente, é possível perceber a experiência de Edgar Morin acerca das guerras que conheceu, explicitada na tentativa de compreensão da situação atual entre Ucrânia e  Rússia  e  entre  OTAN  e  Comunidade  Europeia,  mediante  a  análise  das  saídas possíveis, das estratégias de negociação entre os dois países nestes momentos de crise acirrada.

Trata-se, então, de uma análise histórica dialética do “breve século XX” (para utilizar a famosa expressão do historiador britânico Eric Hobsbawn), e destas duas décadas do século XXI, sem receio de decifrar o processo e o ritmo densos de uma temporalidade em reviravolta, que atinge Rússia e Ucrânia de igual modo.

Ao apontar saídas para o impasse da guerra em forma de acordos possíveis recorrendo a exemplos históricos concretos em épocas anteriores, fica perceptível a lucidez deste pensador que almeja imaginar e construir a paz – uma paz necessária, principalmente em favor das gerações que virão.