Da URSS à Santa Rússia
Edgar Morin
O que é a Rússia hoje? Para compreender o que está havendo, é preciso entender o que ela volta a ser enquanto se transformava.
A Rússia czarista foi um imenso império, estendendo-se por dois continentes, do mar Báltico ao oceano Pacífico.
Enquanto a França, a Inglaterra, a Espanha, Portugal e os Países Baixos colonizaram territórios distantes, em outros continentes, a Rússia colonizou terras contíguas ao seu território a oeste (Polônia, partes dos países bálticos) e a leste, as regiões tártaras e turcófonas, e então toda a Sibéria, povoada por buriatos, iacutos e cerca de trinta etnias diversas, até Vladivostok, no Pacífico, ao mesmo tempo que russificava minoritariamente a Sibéria, em particular mediante seus deportados, o que continuará sendo feito pela URSS. Essa continuidade facilitou e tornou mais durável seu domínio territorial.
Após as guerras consecutivas à Revolução de Outubro de 1917, que tendiam a fragmentar o Império, a URSS recuperou a maior parte de seus territórios e se propôs a descolonizar, transformando seus habitantes em cidadãos soviéticos, ao mesmo tempo que reconhecia sua nacionalidade (mencionada no passaporte, inclusive para os judeus, considerados como nacionalidade em si), e reprimia as veleidades nacionais das etnias mais importantes.
É de salientar que, durante o período soviético, a Rússia foi governada ditatorialmente por um georgiano, Ióssif Vissariónovitch Djugachvili, mais conhecido como Stálin, e depois um ucraniano, Nikita Khrúhchov, assistidos por ministros armênios (Mikoian) e georgianos (Béria, Chevardnadze), sem que o povo russo se incomodasse.
Isso dito, a língua e a cultura russas permaneceram língua e cultura da URSS, e Stálin, no momento da vitória ergueu um brinde especialmente “ao povo russo”.
A Alemanha hitlerista quis fazer desse império eslavo seu próprio império colonial, mas o fracasso levou à expansão do Império Soviético sobre protetorados (Polônia, Alemanha Oriental. Hungria, Tchecoslováquia, Bulgária, Romênia). Foi durante a era Gorbatchov que os protetorados do Leste da Europa se emanciparam, assim como os países bálticos (1991), e foi durante a presidência de Iéltsin, que quis reestabelecer uma nação russa independente, que o Império soviético se dividiu em grande parte e se emanciparam a Ucrânia, a Bielorrússia, a Armênia, o Azerbaijão, a Geórgia, o Cazaquistão, o Tadjiquistão, o Turcomenistão, o Uzbequistão e o Quirguistão.
Mais surpreendente ainda que a passagem da Santa Rússia czarista, ortodoxa e capitalista à URSS, foi a passagem da URSS à Santa Rússia ortodoxa e hipercapitalista.
Ao encolher, o Império se tornou uma nação gigante, majoritariamente russa e multiétnica.
No entanto, Iéltsin não pôde resignar-se a deixar a Tchetchênia se emancipar, retomando-a provisoriamente pela guerra (1994-96).
Embora estrangeira por sua cultura e sua religião, muitas vezes agitada por rebeliões no decorrer do século XIX, até a capitulação do chefe Chamil (ler Hadji Murat, de Tolstói), a Tchetchênia é um território essencial para o Cáucaso.
O sucessor de Iéltsin, Putin, não hesitou em praticar uma guerra de 1999 a 2009 e uma sangrenta repressão (exasperada pelos atentados tchetchenos em Moscou) contra uma Tchetchênia de novo revoltada e depois reintegrada como república autônoma na Federação Russa.
Não sei em que momento tomou consistência o grande sonho de Putin de reconstituir a Grande Rússia imperial e soviética, em especial pela reintegração das nacionalidades eslavas, a Ucrânia, a Bielorrússia, e também a Geórgia (anexada em 1801), parte essencial do Cáucaso que é de importância geoestratégica capital para a Rússia.
Sem poder retomar posse de todo o Cáucaso, a Rússia ataca a Geórgia em 2008, arrancando-lhe a Ossétia do Sul e a Abcásia, mas não consegue conquistar o país. Dispõe, doravante, de bases suficientes para controlar o Cáucaso, inclusive por meio do conflito permanente entre a Arménia cristã e o Azerbaijão muçulmano.
No que diz respeito ao oeste eslavo, uma união Rússia-Bielorrússia foi constituída desde 1997, sem que haja reintegração; os governos têm permanecido constantemente pró-russos, apesar de grandes manifestações em 2020-21, brutalmente reprimidas.
A Ucrânia independente, que contém uma forte minoria russa, oscila entre governos pró-russos e pró-ocidentais, os quais desejam a integração com a União Europeia antes de renunciar a isso em 2013, sob pressão russa. A revolução democrática pró-ocidental de Maidan, em 2014, reforça a ocidentalização, mas, consequentemente, deslancha a secessão das regiões russófonas do Donbas. Os acordos de Minsk não conseguem pôr fim à guerra, que opõe o exército ucraniano às forças separatistas abastecidas e apoiadas pela Rússia. Essa guerra, que, segundo Markovicz, teria provocado 13 mil mortes até 2022, é um verdadeiro abcesso que se tornou purulento e espalhou seu mal. Em 20 de setembro de 2019, o candidato apartidário Zelenski foi eleito presidente do país.
Desde 2014, a Ucrânia se rearmou, beneficiando-se da ajuda não só técnica e informática dos Estados Unidos, como também em termos de armamento e treinamento. Reforçou-se enquanto Putin a crê dividida e enfraquecida, tendo para encabeçá-la um comediante que se tornou presidente; ele acredita que sua composição etnicamente dual faz do país uma entidade frágil. Sabe também que os Estados Unidos, tendo se retirado do Afeganistão, não podem considerar uma nova aventura militar num território distante. Por fim, vê que as nações da União Europeia enfrentam divisões, achando-as enfraquecidas por seus costumes feminizados que seu virilismo despreza. Assim, após ter anexado a Crimeia, península tártara russificada, e armado as “repúblicas” separatistas do leste da Ucrânia desde 2014, ele lança sua ofensiva em 2022, com a certeza de poder degolar o poder executivo e obter a rendição do exército ucraniano.
Sob o poder contínuo de Putin, a Rússia se tornou cada vez mais submissa a um regime autoritário sob uma fachada parlamentar com eleições controladas pelo poder. Ela retorna à Santa Rússia de antes de 1917 ao restituir à Igreja Ortodoxa sua sacralidade titular. Iéltsin havia aberto as portas, não à concorrência do mercado, mas, de fato, a enormes oligopólios não controlados por nenhuma lei antitruste. A corrupção e a máfia se esbaldam.
Essa Rússia de capitalismo desenfreado combina com uma herança direta do regime policial da URSS.
Ex-tenente do KGB, Putin utiliza os métodos de vigilância e, sobretudo, de liquidação física da era stalinista, não hesitando em recorrer a assassinatos deliberados e crimes disfarçados, inclusive no estrangeiro.
A guerra na Ucrânia agrava o caráter repressivo do putinismo, que reprime toda oposição a essa aventura militar.
A Rússia sofreu sanções para as quais parece ter-se preparado ao acumular reservas, mas que agirão a longo prazo, afetando a economia dos autores dessas sanções, que dependem do gás, do petróleo e do trigo russo, assim como dependem do trigo e das matérias-primas de uma Ucrânia economicamente paralisada pela guerra e incapaz de exportar enquanto seu litoral for ocupado e controlado pela Rússia.
Salvo um compromisso que ditasse um mínimo de lucidez recíproca, a Rússia e a Ucrânia estão engajadas numa longa guerra, com a escalada contínua da exasperação de um conflito, cuja generalização assolaria a Europa e o mundo.
Acrescentemos que, ao flagelo dessa guerra, suas consequências econômicas já desastrosas, e seu risco de generalização devastadora, somam-se o aquecimento climático brutal, a seca, a crise inacabada resultante da covid e a provável volta da covid no outono.
O contexto histórico
A evolução das relações internacionais entre a Rússia e as potências ocidentais foi marcada por alianças entre regimes incompatíveis e quedas brutais.
É preciso lembrar que uma aliança franco-russa foi concluída em 1892 entre a Terceira República Francesa e a Rússia despótica czarista, de modo a enfrentar a ameaça que constituía a Alemanha para ambos os países, e essa aliança foi operacional durante a Primeira Guerra Mundial, até a derrota russa e a Revolução Soviética de 1917.
A URSS foi então banida pelas nações e vítima do cerco das potências capitalistas até que a chegada de Hitler ao poder e a remilitarização da Alemanha permitissem à Rússia entrar na Sociedade das Nações, e que o Ministro dos Assuntos Externos francês, Pierre Laval, assinasse, em maio de 1935, em Moscou, um pacto de assistência mútua em que Stálin aprovou a defesa nacional francesa que, até então, o Partido Comunista combatia. Ora, Stálin já havia se mostrado um feroz ditador: os grandes expurgos começaram após o assassinato de Kirov em 1934, junto com os insanos processos contra supostos traidores e espiões, entre os quais dois velhos bolcheviques, Kámenev e Zinóviev, que, no ano seguinte, sofreram ainda um processo como espiões hitlero-trotskistas.
São retomadas as negociações entre a França, a Inglaterra e a URSS após Munique, apesar dos processos de Moscou e dos enormes expurgos, extermínio e deportações stalinistas, no intuito de considerar uma aliança para proteger a Polônia contra as ambições hitleristas, mas fracassam porque os anglo-franceses recusam que, em caso de guerra, a Rússia penetre na Polônia. Isso vai contribuir para que Stálin firme o Pacto Germano-Soviético, escândalo intelectual que une em amizade os dois inimigos mais irreconciliáveis.
No entanto, após ter invadido a Polônia (partilhada com a URSS) e depois a França, a Alemanha hitlerista invade a URSS. A URSS tem apoio militar da Inglaterra na África do Norte, onde o general Montgomery salva o petróleo do Oriente Médio ao deter o exército de Rommel em El Alamein. Então, enquanto a URSS invadida consegue salvar Moscou, no final de 1941, os Estados Unidos, envolvidos na guerra pelo ataque japonês em Pearl Harbour, vão proporcionar uma considerável ajuda material e militar à URSS.
Mais tarde, em plena Guerra Fria, em junho de 1966, De Gaulle vai a Moscou para assinar um acordo de cooperação militar com a URSS (que, para ele, é a Rússia), apesar do totalitarismo soviético, de modo a contrabalançar a hegemonia dos EUA na Europa.
Isso mostra que, no mundo cínico dos Estados e dos interesses nacionais, uma democracia pode firmar acordos, ou até alianças, com uma ditadura.
Assim, se a queda da ditadura de Putin é desejável, sua manutenção não é, em si, um obstáculo à negociação.
Isso dito, vamos examinar o contexto histórico após a Guerra Fria.
Quando Gorbatchov pediu aos Estados Unidos que não estendessem a Otan para além da Alemanha, cuja reunificação ele aceitara em 1990, e a promessa lhe foi feita verbalmente pelo presidente George Bush, ele era profundamente pacífico, mas queria manter uma zona neutra entre a Otan e a Rússia.
Os Estados Unidos se esqueceram dessa promessa.
No entanto, um acordo entre a Rússia e a Otan foi assinado em 17 de maio de 1997, o Ato Fundador Otan-Rússia, para construir uma paz durável na Europa. Após a assinatura, a Otan declarou “não ter nenhuma intenção [...] de fazer estacionar forças de combate permanentes, nem de implementar armas nucleares nos territórios dos novos membros”.
Mas a Otan se deixou levar pelo vento e estendeu-se em direção à Rússia, abrangendo seus antigos satélites ou nações anexadas, países bálticos, Polônia, Tchéquia, Eslováquia, Romênia.
Essa ampliação foi feita a pedido dos países interessados, preocupados com a Guerra da Tchetchênia, e depois com as intervenções militares russas na Geórgia e as pressões sobre a Ucrânia.
Assim, após ter vivido o cerco capitalista entre as duas Guerras Mundiais, e o containment1 da Guerra Fria, a Rússia voltou a se encontrar objetivamente cercada, daí o sentimento subjetivo de cerco vivido pelas elites dirigentes russas, e especialmente por Putin.
Devemos lembrar que Kennan, que foi um rigoroso ator do containment da URSS durante a Guerra Fria, qualificou essa ampliação de funeste erro, opinião compartilhada por Brezinski, ex-conselheiro de Carter e Obama.
Um possível acordo entre a Rússia e os EUA não ocorreu, e se desenvolveu uma oposição que se tornou conflitual.
Notemos também que os Estados Unidos estiveram discretamente presentes na Ucrânia, assim que ali se manifestou uma forte tendência democrática para se juntar à União Europeia, e trabalharam para se contrapor à influência das pressões russas e dos elementos russófilos.
Todo o processo que sustenta a invasão da Ucrânia não pode ser isolado desse processo dialético em que o jogo entre a Rússia, os Estados Unidos e as nações limítrofes da Rússia se torna cada vez mais antagonista, até a guerra interna na Ucrânia a partir de 2014 e, depois, a invasão de fevereiro de 2022.
Voltemos à Rússia. A guerra agrava a ditadura de Putin. Talvez acabe suscitando um golpe de estado que o derrube, o que parece difícil, visto o estreito controle da polícia secreta.
Putin assume ao mesmo tempo a herança czarista e a herança stalinista, sem ser nem czar nem Stálin, mas se reapropria do culto da grande Santa Rússia e da supremacia da polícia stalinista, de que reproduz os métodos. Não mantém o culto à própria personalidade, mas gosta às vezes de exibir sua virilidade. Tornou-se progressivamente mais autoritário e repressivo. Sofreu com o desabamento da União Soviética, embora saiba que não poderá ressuscitá-la: “Quem quer reconstitui-la não tem cabeça, quem não a lamenta não tem coração”. Mantém a vontade de voltar a unir ao menos seu núcleo eslavo, e mantém presença e interesse no Cáucaso.
Ademais, a realidade ucraniana se impôs, enquanto Putin não via nela senão um agregado de pequenos russos (nome tradicional dado no passado, na Rússia, aos ucranianos) e de russos. Ele não viu a Ucrânia como unidade nacional. Não imaginava que a agressão russa poderia perfazer e consolidar essa união.
Todavia, a Ucrânia é de uma complexidade que nossa mídia ocultou. Mesmo se excluirmos o Donbas, ela comporta uma minoria (impossível de calcular) russófona dividida entre aqueles com hostilidade a uma Rússia ditatorial e devastadora e aqueles que permanecem pró-russos. Florence Aubenas relatou no jornal Le Monde uma pequena manifestação pró-russa que ocorreu em Kíev em 9 de maio. Existe a ambiguidade de um culto com estátuas a Bandera, que foi líder da independência ucraniana emigrado na época da URSS e, depois, colaborador dos nazistas e de suas exações durante a ocupação da Ucrânia pela Wehrmacht. Assim, o banderismo deixou uma herança nazista, decerto minoritária, mas foram os fascistas ucranianos que ficaram na linha de frente da guerra contra os separatistas do Donbas e aí cometeram exações; o Regimento Azov esteve sob comando fascista, integrado por utilidade de guerra na Guarda Ucraniana. Decerto, a Ucrânia se democratizou enquanto se urbanizava, ocidentalizou-se em seu consumismo, decorrente de seu desenvolvimento econômico.
O antigo antijudaísmo popular de uma Ucrânia rural reduziu-se progressivamente, e um judeu foi eleito presidente.
Tudo isso milita em prol de uma saída para a guerra que restitua a independência ucraniana.
Um compromisso é possível?
É preciso que um país seja totalmente derrotado para que haja uma paz de capitulação, como a da França em 1871 e em 1940; do contrário, há uma paz de compromisso, que se estabelece conforme o equilíbrio das forças e as sutilezas da diplomacia.
Atualmente, o equilíbrio das forças é quase igual, com a dificuldade russa de ocupar totalmente o Donbas; no entanto, essa ocupação eventual modificaria o equilíbrio das forças sem que a Ucrânia fosse derrotada. Da mesma maneira, podemos pensar numa ofensiva ucraniana que faria recuar o exército russo até a fronteira, mas a Rússia permaneceria uma enorme potência militar.
Um compromisso de paz, portanto, é possível, apesar das criminalizações recíprocas e dos ódios exasperados que tendem a impedi-lo.
O compromisso supõe a independência da Ucrânia, que é absolutamente indispensável, mas independência não significa necessariamente integridade do território. Aqui se levanta a pergunta do Donbas, região industrial equipada e em grande parte povoada por russos desde a época da URSS e que permanece russófona e russófila.
Decerto, vários russófonos (é impossível atualmente dizer quantos) se tornaram hostis à ditadura de Putin e à brutalidade da invasão russa, mas grande parte está envolvida na guerra que dura desde 2014 contra o exército ucraniano. Não parece possível essa região voltar pura e simplesmente à Ucrânia atual, que se tornou visceralmente antirrussa.
E, se fosse o caso, os rebeldes sofreriam uma rude repressão e não cessariam de se revoltar. Dificilmente se vê sua integração a uma Ucrânia Federal. Um referendo parece desejável para decidir quer um estatuto de república “independente”, quer uma integração à Rússia – o que não poderia acontecer sem, em contrapartida, a garantia da independência da Ucrânia mediante um acordo internacional que incluísse a Otan – quer por uma neutralidade segundo o modelo austríaco, ou ainda por uma integração na União Europeia.
Preciso acrescentar que seria importante pensar futuramente na inclusão da Rússia na União Europeia, como solução positiva à relação Rússia/Ocidente. Sendo o Donbas de importância econômica e estratégica para a Ucrânia, seria preciso prever em todos os casos um domínio russo-ucraniano de modo a compartilhar suas riquezas.
O estatuto do litoral do mar de Azov deveria ser tratado. Um controle russo poderia ser compensado pela constituição de Mariupol e de Odessa como portos francos, como foi o estatuto de Tânger.
Ademais, seria desejável que desde o armistício fosse prevista a possibilidade de exportação do trigo ucraniano, como do trigo russo, para os países hoje privados deles.
O valor dos reparos e da reconstrução da Ucrânia deveria ser suportado não só pela Rússia, como também pela cooperação dos países ocidentais, que, ao contribuir para a guerra, também contribuem objetivamente para as destruições.
Por fim, a histeria antirrussa, não somente na Ucrânia, mas no Ocidente, como na França, deveria diminuir e desaparecer, assim como se apagou a histeria nacionalista antialemã que identificava Alemanha e nazismo. É vergonhoso e lamentável que se proíbam artistas, bailarinos, encenadores, esportistas russos, e é uma sorte que, apesar do pedido de cineastas ucranianos, os cineastas russos não tenham sido excluídos do Festival de Cannes. Finalmente, devemos desejar que a paz aconteça o mais rápido possível, visto que a guerra não somente produz desastres humanos irremediáveis na Ucrânia, como agrava também as condições de vida no mundo e cria um risco de fome em muitos países; ademais, esquecemos que ela oculta problemas vitais que precisamos enfrentar há décadas, tais como a degradação ecológica do planeta e o aquecimento global; a busca incontrolada pelo lucro, que determina a crise ecológica e intensifica a crise generalizada das democracias no mundo; a crise da globalização, amplificada pela crise planetária oriunda da pandemia, pandemia que ainda não foi domada e corre o risco de voltar a se alastrar. Tento não me desesperar, não tanto por minha pessoa, no limite da vida, mas pelas novas gerações e nossos descendentes.
A Rússia czarista foi um imenso império, estendendo-se por dois continentes, do mar Báltico ao oceano Pacífico.
Enquanto a França, a Inglaterra, a Espanha, Portugal e os Países Baixos colonizaram territórios distantes, em outros continentes, a Rússia colonizou terras contíguas ao seu território a oeste (Polônia, partes dos países bálticos) e a leste, as regiões tártaras e turcófonas, e então toda a Sibéria, povoada por buriatos, iacutos e cerca de trinta etnias diversas, até Vladivostok, no Pacífico, ao mesmo tempo que russificava minoritariamente a Sibéria, em particular mediante seus deportados, o que continuará sendo feito pela URSS. Essa continuidade facilitou e tornou mais durável seu domínio territorial.
Após as guerras consecutivas à Revolução de Outubro de 1917, que tendiam a fragmentar o Império, a URSS recuperou a maior parte de seus territórios e se propôs a descolonizar, transformando seus habitantes em cidadãos soviéticos, ao mesmo tempo que reconhecia sua nacionalidade (mencionada no passaporte, inclusive para os judeus, considerados como nacionalidade em si), e reprimia as veleidades nacionais das etnias mais importantes.
É de salientar que, durante o período soviético, a Rússia foi governada ditatorialmente por um georgiano, Ióssif Vissariónovitch Djugachvili, mais conhecido como Stálin, e depois um ucraniano, Nikita Khrúhchov, assistidos por ministros armênios (Mikoian) e georgianos (Béria, Chevardnadze), sem que o povo russo se incomodasse.
Isso dito, a língua e a cultura russas permaneceram língua e cultura da URSS, e Stálin, no momento da vitória ergueu um brinde especialmente “ao povo russo”.
A Alemanha hitlerista quis fazer desse império eslavo seu próprio império colonial, mas o fracasso levou à expansão do Império Soviético sobre protetorados (Polônia, Alemanha Oriental. Hungria, Tchecoslováquia, Bulgária, Romênia). Foi durante a era Gorbatchov que os protetorados do Leste da Europa se emanciparam, assim como os países bálticos (1991), e foi durante a presidência de Iéltsin, que quis reestabelecer uma nação russa independente, que o Império soviético se dividiu em grande parte e se emanciparam a Ucrânia, a Bielorrússia, a Armênia, o Azerbaijão, a Geórgia, o Cazaquistão, o Tadjiquistão, o Turcomenistão, o Uzbequistão e o Quirguistão.
Mais surpreendente ainda que a passagem da Santa Rússia czarista, ortodoxa e capitalista à URSS, foi a passagem da URSS à Santa Rússia ortodoxa e hipercapitalista.
Ao encolher, o Império se tornou uma nação gigante, majoritariamente russa e multiétnica.
No entanto, Iéltsin não pôde resignar-se a deixar a Tchetchênia se emancipar, retomando-a provisoriamente pela guerra (1994-96).
Embora estrangeira por sua cultura e sua religião, muitas vezes agitada por rebeliões no decorrer do século XIX, até a capitulação do chefe Chamil (ler Hadji Murat, de Tolstói), a Tchetchênia é um território essencial para o Cáucaso.
O sucessor de Iéltsin, Putin, não hesitou em praticar uma guerra de 1999 a 2009 e uma sangrenta repressão (exasperada pelos atentados tchetchenos em Moscou) contra uma Tchetchênia de novo revoltada e depois reintegrada como república autônoma na Federação Russa.
Não sei em que momento tomou consistência o grande sonho de Putin de reconstituir a Grande Rússia imperial e soviética, em especial pela reintegração das nacionalidades eslavas, a Ucrânia, a Bielorrússia, e também a Geórgia (anexada em 1801), parte essencial do Cáucaso que é de importância geoestratégica capital para a Rússia.
Sem poder retomar posse de todo o Cáucaso, a Rússia ataca a Geórgia em 2008, arrancando-lhe a Ossétia do Sul e a Abcásia, mas não consegue conquistar o país. Dispõe, doravante, de bases suficientes para controlar o Cáucaso, inclusive por meio do conflito permanente entre a Arménia cristã e o Azerbaijão muçulmano.
No que diz respeito ao oeste eslavo, uma união Rússia-Bielorrússia foi constituída desde 1997, sem que haja reintegração; os governos têm permanecido constantemente pró-russos, apesar de grandes manifestações em 2020-21, brutalmente reprimidas.
A Ucrânia independente, que contém uma forte minoria russa, oscila entre governos pró-russos e pró-ocidentais, os quais desejam a integração com a União Europeia antes de renunciar a isso em 2013, sob pressão russa. A revolução democrática pró-ocidental de Maidan, em 2014, reforça a ocidentalização, mas, consequentemente, deslancha a secessão das regiões russófonas do Donbas. Os acordos de Minsk não conseguem pôr fim à guerra, que opõe o exército ucraniano às forças separatistas abastecidas e apoiadas pela Rússia. Essa guerra, que, segundo Markovicz, teria provocado 13 mil mortes até 2022, é um verdadeiro abcesso que se tornou purulento e espalhou seu mal. Em 20 de setembro de 2019, o candidato apartidário Zelenski foi eleito presidente do país.
Desde 2014, a Ucrânia se rearmou, beneficiando-se da ajuda não só técnica e informática dos Estados Unidos, como também em termos de armamento e treinamento. Reforçou-se enquanto Putin a crê dividida e enfraquecida, tendo para encabeçá-la um comediante que se tornou presidente; ele acredita que sua composição etnicamente dual faz do país uma entidade frágil. Sabe também que os Estados Unidos, tendo se retirado do Afeganistão, não podem considerar uma nova aventura militar num território distante. Por fim, vê que as nações da União Europeia enfrentam divisões, achando-as enfraquecidas por seus costumes feminizados que seu virilismo despreza. Assim, após ter anexado a Crimeia, península tártara russificada, e armado as “repúblicas” separatistas do leste da Ucrânia desde 2014, ele lança sua ofensiva em 2022, com a certeza de poder degolar o poder executivo e obter a rendição do exército ucraniano.
Sob o poder contínuo de Putin, a Rússia se tornou cada vez mais submissa a um regime autoritário sob uma fachada parlamentar com eleições controladas pelo poder. Ela retorna à Santa Rússia de antes de 1917 ao restituir à Igreja Ortodoxa sua sacralidade titular. Iéltsin havia aberto as portas, não à concorrência do mercado, mas, de fato, a enormes oligopólios não controlados por nenhuma lei antitruste. A corrupção e a máfia se esbaldam.
Essa Rússia de capitalismo desenfreado combina com uma herança direta do regime policial da URSS.
Ex-tenente do KGB, Putin utiliza os métodos de vigilância e, sobretudo, de liquidação física da era stalinista, não hesitando em recorrer a assassinatos deliberados e crimes disfarçados, inclusive no estrangeiro.
A guerra na Ucrânia agrava o caráter repressivo do putinismo, que reprime toda oposição a essa aventura militar.
A Rússia sofreu sanções para as quais parece ter-se preparado ao acumular reservas, mas que agirão a longo prazo, afetando a economia dos autores dessas sanções, que dependem do gás, do petróleo e do trigo russo, assim como dependem do trigo e das matérias-primas de uma Ucrânia economicamente paralisada pela guerra e incapaz de exportar enquanto seu litoral for ocupado e controlado pela Rússia.
Salvo um compromisso que ditasse um mínimo de lucidez recíproca, a Rússia e a Ucrânia estão engajadas numa longa guerra, com a escalada contínua da exasperação de um conflito, cuja generalização assolaria a Europa e o mundo.
Acrescentemos que, ao flagelo dessa guerra, suas consequências econômicas já desastrosas, e seu risco de generalização devastadora, somam-se o aquecimento climático brutal, a seca, a crise inacabada resultante da covid e a provável volta da covid no outono.
O contexto histórico
A evolução das relações internacionais entre a Rússia e as potências ocidentais foi marcada por alianças entre regimes incompatíveis e quedas brutais.
É preciso lembrar que uma aliança franco-russa foi concluída em 1892 entre a Terceira República Francesa e a Rússia despótica czarista, de modo a enfrentar a ameaça que constituía a Alemanha para ambos os países, e essa aliança foi operacional durante a Primeira Guerra Mundial, até a derrota russa e a Revolução Soviética de 1917.
A URSS foi então banida pelas nações e vítima do cerco das potências capitalistas até que a chegada de Hitler ao poder e a remilitarização da Alemanha permitissem à Rússia entrar na Sociedade das Nações, e que o Ministro dos Assuntos Externos francês, Pierre Laval, assinasse, em maio de 1935, em Moscou, um pacto de assistência mútua em que Stálin aprovou a defesa nacional francesa que, até então, o Partido Comunista combatia. Ora, Stálin já havia se mostrado um feroz ditador: os grandes expurgos começaram após o assassinato de Kirov em 1934, junto com os insanos processos contra supostos traidores e espiões, entre os quais dois velhos bolcheviques, Kámenev e Zinóviev, que, no ano seguinte, sofreram ainda um processo como espiões hitlero-trotskistas.
São retomadas as negociações entre a França, a Inglaterra e a URSS após Munique, apesar dos processos de Moscou e dos enormes expurgos, extermínio e deportações stalinistas, no intuito de considerar uma aliança para proteger a Polônia contra as ambições hitleristas, mas fracassam porque os anglo-franceses recusam que, em caso de guerra, a Rússia penetre na Polônia. Isso vai contribuir para que Stálin firme o Pacto Germano-Soviético, escândalo intelectual que une em amizade os dois inimigos mais irreconciliáveis.
No entanto, após ter invadido a Polônia (partilhada com a URSS) e depois a França, a Alemanha hitlerista invade a URSS. A URSS tem apoio militar da Inglaterra na África do Norte, onde o general Montgomery salva o petróleo do Oriente Médio ao deter o exército de Rommel em El Alamein. Então, enquanto a URSS invadida consegue salvar Moscou, no final de 1941, os Estados Unidos, envolvidos na guerra pelo ataque japonês em Pearl Harbour, vão proporcionar uma considerável ajuda material e militar à URSS.
Mais tarde, em plena Guerra Fria, em junho de 1966, De Gaulle vai a Moscou para assinar um acordo de cooperação militar com a URSS (que, para ele, é a Rússia), apesar do totalitarismo soviético, de modo a contrabalançar a hegemonia dos EUA na Europa.
Isso mostra que, no mundo cínico dos Estados e dos interesses nacionais, uma democracia pode firmar acordos, ou até alianças, com uma ditadura.
Assim, se a queda da ditadura de Putin é desejável, sua manutenção não é, em si, um obstáculo à negociação.
Isso dito, vamos examinar o contexto histórico após a Guerra Fria.
Quando Gorbatchov pediu aos Estados Unidos que não estendessem a Otan para além da Alemanha, cuja reunificação ele aceitara em 1990, e a promessa lhe foi feita verbalmente pelo presidente George Bush, ele era profundamente pacífico, mas queria manter uma zona neutra entre a Otan e a Rússia.
Os Estados Unidos se esqueceram dessa promessa.
No entanto, um acordo entre a Rússia e a Otan foi assinado em 17 de maio de 1997, o Ato Fundador Otan-Rússia, para construir uma paz durável na Europa. Após a assinatura, a Otan declarou “não ter nenhuma intenção [...] de fazer estacionar forças de combate permanentes, nem de implementar armas nucleares nos territórios dos novos membros”.
Mas a Otan se deixou levar pelo vento e estendeu-se em direção à Rússia, abrangendo seus antigos satélites ou nações anexadas, países bálticos, Polônia, Tchéquia, Eslováquia, Romênia.
Essa ampliação foi feita a pedido dos países interessados, preocupados com a Guerra da Tchetchênia, e depois com as intervenções militares russas na Geórgia e as pressões sobre a Ucrânia.
Assim, após ter vivido o cerco capitalista entre as duas Guerras Mundiais, e o containment1 da Guerra Fria, a Rússia voltou a se encontrar objetivamente cercada, daí o sentimento subjetivo de cerco vivido pelas elites dirigentes russas, e especialmente por Putin.
Devemos lembrar que Kennan, que foi um rigoroso ator do containment da URSS durante a Guerra Fria, qualificou essa ampliação de funeste erro, opinião compartilhada por Brezinski, ex-conselheiro de Carter e Obama.
Um possível acordo entre a Rússia e os EUA não ocorreu, e se desenvolveu uma oposição que se tornou conflitual.
Notemos também que os Estados Unidos estiveram discretamente presentes na Ucrânia, assim que ali se manifestou uma forte tendência democrática para se juntar à União Europeia, e trabalharam para se contrapor à influência das pressões russas e dos elementos russófilos.
Todo o processo que sustenta a invasão da Ucrânia não pode ser isolado desse processo dialético em que o jogo entre a Rússia, os Estados Unidos e as nações limítrofes da Rússia se torna cada vez mais antagonista, até a guerra interna na Ucrânia a partir de 2014 e, depois, a invasão de fevereiro de 2022.
Voltemos à Rússia. A guerra agrava a ditadura de Putin. Talvez acabe suscitando um golpe de estado que o derrube, o que parece difícil, visto o estreito controle da polícia secreta.
Putin assume ao mesmo tempo a herança czarista e a herança stalinista, sem ser nem czar nem Stálin, mas se reapropria do culto da grande Santa Rússia e da supremacia da polícia stalinista, de que reproduz os métodos. Não mantém o culto à própria personalidade, mas gosta às vezes de exibir sua virilidade. Tornou-se progressivamente mais autoritário e repressivo. Sofreu com o desabamento da União Soviética, embora saiba que não poderá ressuscitá-la: “Quem quer reconstitui-la não tem cabeça, quem não a lamenta não tem coração”. Mantém a vontade de voltar a unir ao menos seu núcleo eslavo, e mantém presença e interesse no Cáucaso.
Ademais, a realidade ucraniana se impôs, enquanto Putin não via nela senão um agregado de pequenos russos (nome tradicional dado no passado, na Rússia, aos ucranianos) e de russos. Ele não viu a Ucrânia como unidade nacional. Não imaginava que a agressão russa poderia perfazer e consolidar essa união.
Todavia, a Ucrânia é de uma complexidade que nossa mídia ocultou. Mesmo se excluirmos o Donbas, ela comporta uma minoria (impossível de calcular) russófona dividida entre aqueles com hostilidade a uma Rússia ditatorial e devastadora e aqueles que permanecem pró-russos. Florence Aubenas relatou no jornal Le Monde uma pequena manifestação pró-russa que ocorreu em Kíev em 9 de maio. Existe a ambiguidade de um culto com estátuas a Bandera, que foi líder da independência ucraniana emigrado na época da URSS e, depois, colaborador dos nazistas e de suas exações durante a ocupação da Ucrânia pela Wehrmacht. Assim, o banderismo deixou uma herança nazista, decerto minoritária, mas foram os fascistas ucranianos que ficaram na linha de frente da guerra contra os separatistas do Donbas e aí cometeram exações; o Regimento Azov esteve sob comando fascista, integrado por utilidade de guerra na Guarda Ucraniana. Decerto, a Ucrânia se democratizou enquanto se urbanizava, ocidentalizou-se em seu consumismo, decorrente de seu desenvolvimento econômico.
O antigo antijudaísmo popular de uma Ucrânia rural reduziu-se progressivamente, e um judeu foi eleito presidente.
Tudo isso milita em prol de uma saída para a guerra que restitua a independência ucraniana.
Um compromisso é possível?
É preciso que um país seja totalmente derrotado para que haja uma paz de capitulação, como a da França em 1871 e em 1940; do contrário, há uma paz de compromisso, que se estabelece conforme o equilíbrio das forças e as sutilezas da diplomacia.
Atualmente, o equilíbrio das forças é quase igual, com a dificuldade russa de ocupar totalmente o Donbas; no entanto, essa ocupação eventual modificaria o equilíbrio das forças sem que a Ucrânia fosse derrotada. Da mesma maneira, podemos pensar numa ofensiva ucraniana que faria recuar o exército russo até a fronteira, mas a Rússia permaneceria uma enorme potência militar.
Um compromisso de paz, portanto, é possível, apesar das criminalizações recíprocas e dos ódios exasperados que tendem a impedi-lo.
O compromisso supõe a independência da Ucrânia, que é absolutamente indispensável, mas independência não significa necessariamente integridade do território. Aqui se levanta a pergunta do Donbas, região industrial equipada e em grande parte povoada por russos desde a época da URSS e que permanece russófona e russófila.
Decerto, vários russófonos (é impossível atualmente dizer quantos) se tornaram hostis à ditadura de Putin e à brutalidade da invasão russa, mas grande parte está envolvida na guerra que dura desde 2014 contra o exército ucraniano. Não parece possível essa região voltar pura e simplesmente à Ucrânia atual, que se tornou visceralmente antirrussa.
E, se fosse o caso, os rebeldes sofreriam uma rude repressão e não cessariam de se revoltar. Dificilmente se vê sua integração a uma Ucrânia Federal. Um referendo parece desejável para decidir quer um estatuto de república “independente”, quer uma integração à Rússia – o que não poderia acontecer sem, em contrapartida, a garantia da independência da Ucrânia mediante um acordo internacional que incluísse a Otan – quer por uma neutralidade segundo o modelo austríaco, ou ainda por uma integração na União Europeia.
Preciso acrescentar que seria importante pensar futuramente na inclusão da Rússia na União Europeia, como solução positiva à relação Rússia/Ocidente. Sendo o Donbas de importância econômica e estratégica para a Ucrânia, seria preciso prever em todos os casos um domínio russo-ucraniano de modo a compartilhar suas riquezas.
O estatuto do litoral do mar de Azov deveria ser tratado. Um controle russo poderia ser compensado pela constituição de Mariupol e de Odessa como portos francos, como foi o estatuto de Tânger.
Ademais, seria desejável que desde o armistício fosse prevista a possibilidade de exportação do trigo ucraniano, como do trigo russo, para os países hoje privados deles.
O valor dos reparos e da reconstrução da Ucrânia deveria ser suportado não só pela Rússia, como também pela cooperação dos países ocidentais, que, ao contribuir para a guerra, também contribuem objetivamente para as destruições.
Por fim, a histeria antirrussa, não somente na Ucrânia, mas no Ocidente, como na França, deveria diminuir e desaparecer, assim como se apagou a histeria nacionalista antialemã que identificava Alemanha e nazismo. É vergonhoso e lamentável que se proíbam artistas, bailarinos, encenadores, esportistas russos, e é uma sorte que, apesar do pedido de cineastas ucranianos, os cineastas russos não tenham sido excluídos do Festival de Cannes. Finalmente, devemos desejar que a paz aconteça o mais rápido possível, visto que a guerra não somente produz desastres humanos irremediáveis na Ucrânia, como agrava também as condições de vida no mundo e cria um risco de fome em muitos países; ademais, esquecemos que ela oculta problemas vitais que precisamos enfrentar há décadas, tais como a degradação ecológica do planeta e o aquecimento global; a busca incontrolada pelo lucro, que determina a crise ecológica e intensifica a crise generalizada das democracias no mundo; a crise da globalização, amplificada pela crise planetária oriunda da pandemia, pandemia que ainda não foi domada e corre o risco de voltar a se alastrar. Tento não me desesperar, não tanto por minha pessoa, no limite da vida, mas pelas novas gerações e nossos descendentes.